Que, de
modo geral, a universidade brasileira,
salvo honrosas exceções, tem se mostrado saturada e inoperante (em crise) frente
aos novos desafios não é novidade. Estruturas
burocráticas pesadas não só, muitas vezes, têm sido entraves para a vitalidade
acadêmica, que imperativamente se requer da instituição universitária, como também têm servido de biombo para o
patrimonialismo e o clientelismo. A
reprodução de práticas clientelistas no
interior da universidade e a sua burocratização em escala ampliada têm gerado,
ao mesmo tempo, a sua atrofia acadêmica e uma desumanização resultante da
alienação do sentido de ser da sociabilidade universitária. Como consequência,
a formação no ensino superior das novas gerações e o trabalho dos docentes, comprometidos
com esta, capengam com a degradação. O que fazer? Como superar isso? Como temos realçado aqui, algumas
iniciativas têm sido esboçadas. Nesse sentido, não se pode recusar, por
exemplo, a discussão sobre o fim da forma de organização em torno de
departamentos, bem como o debate a respeito da oferta de Bacharelados
Interdisciplinares, como “espaço”/ “tempo” de maturação da formação dos jovens.
E coloca-se, no básico, a questão da humanização da universidade, que
não deve ser confundida com o populismo do “tapinha nas costas” e do “dar um
jeitinho”, mas sim o humanismo desalienante
das relações. A propósito da busca
desses caminhos alternativos para a universidade, vale a pena conferir a
entrevista aí abaixo com Naomar de Almeida Filho (ex-Reitor da UFBA e atual Reitor
da UFSBA) sobre os Bacharelados
Interdisciplinares.
Fonte: Globo Universidade
Quais as
principais vantagens do Bacharelado Interdisciplinar?
Em primeiro lugar, o jovem não precisa
tomar a decisão de que carreira seguir de forma precoce. Na graduação
tradicional, a maior parte dos alunos não sabe ao certo do que se trata o curso
que escolheu até começar a ter aulas. Isso causa muita evasão. Por exemplo,
quase metade de todos os que ingressam em Engenharia abandona no meio do
caminho. Além de a pessoa ter que começar tudo de novo, ocorre um grande
desperdício de recursos públicos. No Bacharelado Interdisciplinar, cada
estudante monta seu currículo e tem contato com diversas áreas do conhecimento,
o que ajuda a amadurecer seu pensamento.
Outro ponto muito importante é a
compatibilidade internacional. A maioria das universidades de países
desenvolvidos adota esse modelo de ciclos, no qual o estudante tem, primeiro,
uma formação mais geral, que vai se afunilando para uma área mais específica
conforme o curso avança. O modelo do BI ajuda no caso de intercâmbios, pois
aproximas as estruturas curriculares das instituições brasileiras, europeias e
americanas.
Como
os cursos do BI podem contribuir para as carreiras dos futuros profissionais?
Como têm acesso a uma formação mais
ampla, as competências desses profissionais não se resumirão à sua área de
atuação. Por exemplo, muita gente se queixa de que os médicos são pouco
humanizados. Um aluno de Medicina que passa pelo BI cursará disciplinas
relativas a ética, filosofia, política etc. Outro caso é o de estudantes de
Direito, que é uma área muito informatizada. Na formação por ciclos, os futuros
advogados, juízes e promotores têm aulas de informática e, por isso, não vão
depender de assessores para realizarem parte do seu trabalho.
Também é um consenso que o bom
profissional tem que ser capaz de tomar decisões, mas isso não é estimulado
pelos cursos tradicionais. Os alunos já recebem um pacote pronto, com muito
pouca margem para variação.
Qual
o papel social dos BIs?
Ele funciona como um equalizador de
oportunidades. O jovem pobre pode ter muito talento, mas não possui os recursos
necessários para desenvolver todas as suas potencialidades. O BI funciona como
um reforço na formação geral, muitas vezes deficiente em decorrência da
precariedade das escolas públicas. Também atua no sentido de ampliar
horizontes. Muitos alunos não têm oportunidade de acessar a internet ou ver uma
apresentação de orquestra, por exemplo. As atividades dos cursos permitem que
haja esse contato.
Houve
resistência à implantação do BI na UFBA?
Sim, e continua havendo.
Alguns jovens pertencem a classes sociais que tradicionalmente controlam certas
profissões, como as relativas à Medicina, por exemplo. Como os egressos dos BIs
entram pelo Enem e têm garantidos 20% das vagas em cursos tradicionais, esses
estudantes acharam que suas vagas estavam sendo subtraídas.
No caso dos professores,
apesar de existir esse elemento de preconceito, a inércia também é um fator
importante. Algumas disciplinas dos BIs precisam estar sempre sendo
atualizadas, então você não pode continuar dando a mesma aula, ano após ano.
O senhor enxerga alguma desvantagem no modelo de
formação por ciclos?
Desvantagem, não, mas é preciso levar em
conta o risco de os BIs se tornarem tão autônomos que passem a reproduzir o
modelo dos cursos tradicionais.
Quais
as principais diferenças entre o BI da UFBA e o que o senhor está ajudando a
implantar na UFSBA?
Estamos radicalizando o processo. Na
UFSBA, o BI será a porta de entrada para todos os cursos. Também haverá ensino
à distância para alunos dos municípios da região. Nesse caso, as avaliações
serão exatamente as mesmas, aplicadas aos sábados em cada cidade. Além disso, a
concorrência será regulada para que haja sempre uma vaga para cada três alunos
formados na rede pública.
A
adoção do modelo de formação por ciclos é uma tendência para o Brasil?
Estou convencido disso. Mesmo com todos
os problemas que o país tem, em alguns anos seremos considerados uma nação
desenvolvida. Com isso, haverá uma pressão natural para que as universidades
brasileiras adotem padrões mais próximos aos internacionais.
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Disponível em: http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/
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