sábado, 22 de agosto de 2015

Universidade e formação superior: desafios e alternativas

Que, de modo geral,  a universidade brasileira, salvo honrosas exceções, tem se mostrado saturada e inoperante (em crise) frente aos novos desafios não é novidade.  Estruturas burocráticas pesadas não só, muitas vezes, têm sido entraves para a vitalidade acadêmica, que imperativamente se requer da instituição universitária,  como também têm servido de biombo para o patrimonialismo e o clientelismo.  A reprodução de práticas clientelistas  no interior da universidade e a sua burocratização em escala ampliada têm gerado, ao mesmo tempo, a sua atrofia acadêmica e uma desumanização resultante da alienação do sentido de ser da sociabilidade universitária. Como consequência, a formação no ensino superior das novas gerações e o trabalho dos docentes, comprometidos com esta, capengam com a degradação. O que fazer?  Como superar isso? Como temos realçado aqui, algumas iniciativas têm sido esboçadas. Nesse sentido, não se pode recusar, por exemplo, a discussão sobre o fim da forma de organização em torno de departamentos, bem como o debate a respeito da oferta de Bacharelados Interdisciplinares, como “espaço”/ “tempo” de maturação da formação dos jovens.  E coloca-se,  no básico,  a questão da humanização da universidade, que não deve ser confundida com o populismo do “tapinha nas costas” e do “dar um jeitinho”,  mas sim o humanismo desalienante das relações.  A propósito da busca desses caminhos alternativos para a universidade, vale a pena conferir a entrevista aí abaixo com Naomar de Almeida Filho (ex-Reitor da UFBA e atual Reitor da UFSBA)  sobre os Bacharelados Interdisciplinares.


Fonte: Globo Universidade

Quais as principais vantagens do Bacharelado Interdisciplinar?

Em primeiro lugar, o jovem não precisa tomar a decisão de que carreira seguir de forma precoce. Na graduação tradicional, a maior parte dos alunos não sabe ao certo do que se trata o curso que escolheu até começar a ter aulas. Isso causa muita evasão. Por exemplo, quase metade de todos os que ingressam em Engenharia abandona no meio do caminho. Além de a pessoa ter que começar tudo de novo, ocorre um grande desperdício de recursos públicos. No Bacharelado Interdisciplinar, cada estudante monta seu currículo e tem contato com diversas áreas do conhecimento, o que ajuda a amadurecer seu pensamento.
Outro ponto muito importante é a compatibilidade internacional. A maioria das universidades de países desenvolvidos adota esse modelo de ciclos, no qual o estudante tem, primeiro, uma formação mais geral, que vai se afunilando para uma área mais específica conforme o curso avança. O modelo do BI ajuda no caso de intercâmbios, pois aproximas as estruturas curriculares das instituições brasileiras, europeias e americanas.

Como os cursos do BI podem contribuir para as carreiras dos futuros profissionais?
Como têm acesso a uma formação mais ampla, as competências desses profissionais não se resumirão à sua área de atuação. Por exemplo, muita gente se queixa de que os médicos são pouco humanizados. Um aluno de Medicina que passa pelo BI cursará disciplinas relativas a ética, filosofia, política etc. Outro caso é o de estudantes de Direito, que é uma área muito informatizada. Na formação por ciclos, os futuros advogados, juízes e promotores têm aulas de informática e, por isso, não vão depender de assessores para realizarem parte do seu trabalho.
Também é um consenso que o bom profissional tem que ser capaz de tomar decisões, mas isso não é estimulado pelos cursos tradicionais. Os alunos já recebem um pacote pronto, com muito pouca margem para variação.

Qual o papel social dos BIs?
Ele funciona como um equalizador de oportunidades. O jovem pobre pode ter muito talento, mas não possui os recursos necessários para desenvolver todas as suas potencialidades. O BI funciona como um reforço na formação geral, muitas vezes deficiente em decorrência da precariedade das escolas públicas. Também atua no sentido de ampliar horizontes. Muitos alunos não têm oportunidade de acessar a internet ou ver uma apresentação de orquestra, por exemplo. As atividades dos cursos permitem que haja esse contato.


Houve resistência à implantação do BI na UFBA?
Sim, e continua havendo. Alguns jovens pertencem a classes sociais que tradicionalmente controlam certas profissões, como as relativas à Medicina, por exemplo. Como os egressos dos BIs entram pelo Enem e têm garantidos 20% das vagas em cursos tradicionais, esses estudantes acharam que suas vagas estavam sendo subtraídas.
No caso dos professores, apesar de existir esse elemento de preconceito, a inércia também é um fator importante. Algumas disciplinas dos BIs precisam estar sempre sendo atualizadas, então você não pode continuar dando a mesma aula, ano após ano.

O senhor enxerga alguma desvantagem no modelo de formação por ciclos?
Desvantagem, não, mas é preciso levar em conta o risco de os BIs se tornarem tão autônomos que passem a reproduzir o modelo dos cursos tradicionais.

Quais as principais diferenças entre o BI da UFBA e o que o senhor está ajudando a implantar na UFSBA?
Estamos radicalizando o processo. Na UFSBA, o BI será a porta de entrada para todos os cursos. Também haverá ensino à distância para alunos dos municípios da região. Nesse caso, as avaliações serão exatamente as mesmas, aplicadas aos sábados em cada cidade. Além disso, a concorrência será regulada para que haja sempre uma vaga para cada três alunos formados na rede pública.

A adoção do modelo de formação por ciclos é uma tendência para o Brasil?

Estou convencido disso. Mesmo com todos os problemas que o país tem, em alguns anos seremos considerados uma nação desenvolvida. Com isso, haverá uma pressão natural para que as universidades brasileiras adotem padrões mais próximos aos internacionais.
----------------------------------------------------------------------
Disponível em: http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/






Nenhum comentário:

Postar um comentário