Por Guilherme
Boulos
O
crescimento da insatisfação popular e da polarização na sociedade faz a
política transbordar para as ruas. Este fenômeno, próprio a momentos de crise,
também expressa por aqui o fracasso de um sistema político ao mesmo tempo
impermeável à influência do povo e escancarado aos interesses econômicos.
Agosto será um mês decisivo, em que as ruas
colocarão em jogo projetos distintos para o Brasil.
De um lado, a "nova direita"
convocou mobilizações para o dia 16, com apoio declarado do PSDB, da Rede Globo
e da maior parte da mídia. A chamada tem sido feita explicitamente em programas
de TV e rádio. Querem aproveitar o avanço da Lava Jato e a corrosão do apoio ao
governo para emplacar o impeachment de Dilma.
Falamos "nova direita" por
convenção, mas suas táticas são tão velhas quanto Carlos Lacerda. Valer-se de
denúncias de corrupção –pinçadas seletivamente para atingir um único partido– e
do controle da mídia para derrubar governos é prática antiga na América Latina.
Refinaram o método por um calendário de "coincidências" com prisões
da Lava Jato, vazamento de delações e o dia D do TCU (Tribunal de Contas da
União), apimentando o período anterior à mobilização.
Mas o que essa turma quer? Qual é o seu
projeto? Livrar o Brasil da corrupção, dizem. Ao lado de Agripino Maia, Ronaldo
Caiado e com apoio da Globo. Contra a corrupção, mas de mãos dadas com Eduardo
Cunha. Sei, sei. Já em relação às políticas de austeridade, o programa
econômico que defendem faria de Levy um desenvolvimentista.
Os que estão puxando o 16 de agosto não têm
autoridade moral para falar de corrupção e usam fraseologias vagas para ocultar
um projeto de país antipopular. No entanto, com apoio da mídia e de uma
sucessão de eventos cuidadosamente planejados, podem levar muita gente às ruas,
canalizando a insatisfação social com o governo.
Do outro lado, em 20 de agosto, movimentos
sociais de todo o Brasil estão organizando mobilizações para apresentar outras
saídas para a crise. MTST, MST, CUT, CTB, Intersindical, UNE, setores da Igreja
Católica, movimentos negros e de juventude estarão nas ruas defendendo direitos
sociais, enfrentando o ajuste fiscal do governo Dilma, mas enfrentando também a
ofensiva da direita golpista e as manobras de Cunha.
Ao contrário do que um contraponto simplista
possa fazer crer, o dia 20 não será uma manifestação de defesa do governo. O
manifesto de convocação assinado pelos movimentos é claro: "A política
econômica do governo joga a conta nas costas do povo. Ao invés de atacar
direitos trabalhistas, cortar investimentos sociais e aumentar os juros,
defendemos que o governo ajuste as contas em cima dos mais ricos, com taxação
das grandes fortunas, dividendos e remessas de lucro, além de uma auditoria da
dívida pública". Não há qualquer disposição em defender uma política
econômica indefensável.
Mas o mesmo manifesto também é claro em
enfrentar a ofensiva conservadora e antidemocrática conduzida por Cunha e sua
trupe: "Eduardo Cunha representa o retrocesso e um ataque à democracia.
Transformou a Câmara dos Deputados numa casa da intolerância e da retirada de
direitos. Somos contra a pauta conservadora e antipopular imposta pelo
Congresso e estaremos nas ruas em defesa das liberdades: contra o racismo, a
intolerância religiosa, o machismo, a LGBTfobia e a criminalização das lutas
sociais".
A manifestação do dia 20 defenderá pautas
populares e enfrentará a política do governo e do Congresso, sem lugar para a
indignação seletiva daqueles que convocam o dia 16. Aqueles que dizem
"fora Dilma", mas se calam em relação ao "fora Cunha";
aqueles que denunciam a corrupção na Petrobras, mas assobiam diante da Zelotes
e são apaixonados por Aécio Neves; enfim, os que dizem querer um "Brasil
livre", mas dividem as ruas com defensores da ditadura militar.
De um lado ou de outro, uma coisa é certa: os
caminhos da política brasileira passarão pelas mobilizações das próximas
semanas.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 06/08/2015
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