Dizem-me amigos que caminham pelos corredores de Brasília que a capital do país vive dias frenéticos (ou, talvez seja melhor dizer, os gabinetes do governo federal). Ocupantes de cargos comissionados deambulam na oscilação de esvaziar/arrumar as gavetas ou não, na iminência de uma possível queda do Governo Dilma. Em 'Terra Brasilis' - tomando de empréstimo aqui a expressão ao memorável Tom Jobim - realmente não se morre de tédio. As "emoções" são por minuto. Tenho dito por aqui que, mesmo com o suposto 'acordão' do Governo com o establishment, a sua sobrevivência não está garantida - e nisso a extrema externa sectária comete um equívoco (mais um...) de avaliação, ao afirmar que o 'acordão' é 'jogo jogado'. Como perspectiva hipotética, também tenho realçado três cenários em que o 'acordão' pode ser estiolado: 1) o volume das manifestações de rua; 2) um fato de impacto no âmbito da Operação Lava Jato (como algo envolvendo o ex-Presidente Lula); 3) uma 'trampa' do Presidente da Câmara Eduardo Cunha. Como sabemos, trampa é uma palavra espanhola que, entre os seus significados, é empregada para definir uma ardilosa armadilha. Pois bem, parece que, sendo frito na frigideira da corrupção, Cunha busca mancomunar-se com a oposição para fazer a banda do impeachment tocar por aí. É o que nos informa, no texto aí abaixo, Fernando Rodrigues, um dos mais qualificados jornalistas brasileiros (Mestrado em Jornalismo Internacional pela City University, Londres) e responsável pelas reportagens que comprovaram/denunciaram a compra de votos de deputados no Governo FHC para aprovar a emenda da reeleição. É isso, ao invés de comemorarem os frutos do 'acordão' antes do tempo e de alimentarem o debate político nacional em termos 'coxinhas & petralhas', os governistas/petistas deveriam mesmo era procurar decifrar a esfinge, sob pena de serem devorados.
O Governo, a Câmara dos Deputados e a esfinge: decifra-me ou devoro-te |
Por Fernando Rodrigues
A oposição já definiu qual a melhor estratégia para levar adiante o
processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Tudo foi discutido de maneira intensa (20.ago.2015), enquanto o Palácio do Planalto,
ministros governistas e muitos petistas e simpatizantes comemoravam nas ruas a denúncia contra
o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por causa da Lava Jato.
Em salas adjacentes à presidência da Câmara,
deputados de partidos oposicionistas decidiram ressuscitar uma estratégia
pensada (e depois quase esquecida) há cerca de 2 meses. Diante da conjuntura
atual, o ideal será voltar a recomendar a Eduardo Cunha que arquive os pedidos
de impeachment que estão sob sua análise.
Pode parecer contraintuitivo que a oposição
esteja sugerindo o arquivamento e ao mesmo tempo desejando o impeachment. Mas
há uma lógica cristalina por trás dessa estratégia. Funciona assim:
1) o poder de Eduardo Cunha: o presidente da Câmara
(qualquer um que ocupe o cargo) é quem recebe eventuais pedidos de impeachment
contra o presidente da República. Tem poder absoluto sobre o processo enquanto
tudo está em suas mãos. A decisão inicial é unipessoal.
Há 3
opções para o comandante da Câmara: a) “receber'' (na acepção jurídica do
termo) e mandar o processo de impeachment andar; b) rejeitar o pedido e mandá-lo para o
arquivo; c) não fazer nada, pois não existe prazo
legal que o obrigue a tomar uma decisão dentro de algum prazo definido.
Hoje,
se Eduardo Cunha aceitar algum pedido de impeachment contra
Dilma poderia ser acusado (e vai ser) de estar retaliando contra o Palácio do
Planalto, a quem acusa de estar por trás da acusação da Lava Jato.
Se não fizer nada,
Cunha será então acusado de capitular ao poder do governo e de tentar fazer um
acordão para se livrar da Lava Jato. Esse seria o melhor dos mundos para o Planalto,
que vendeu a versão de uma iminente desidratação do peemedebista e consequente
enfraquecimento da tese do impeachment . Os “spin doctors'' palacianos fizeram
um eficaz trabalho de disseminação desse raciocínio para a mídia em geral
(títulos de reportagens hoje em veículos impressos: “Impeachment perde força
após a denúncia, avaliam ministros'', “Cunha tentará ‘incendiar’ a Câmara, mas
perderá credibilidade para tal'' e “Planalto vê impeachment mais fraco após
denúncia'').
Mas
se optar pela terceira opção e arquivar os pedidos de
impeachment, Cunha estará dando um “nó tático'', como se diz no
futebol, em todos os que imaginaram saídas convencionais. Não poderá ser
acusado de perseguir Dilma Rousseff (afinal, arquivou os pedidos).
2) a rejeição é o caminho mais rápido: no mesmo dia em que a rejeição de Cunha aos
pedidos de impeachment se tornar pública (a oposição deseja que isso se dê já
na semana que vem), algum deputado anti-Dilma apresentará um recurso contra o
arquivamento. Esse recurso precisa ser apresentado ao plenário da Câmara. Basta
maioria simples para obter vitória.
A maioria simples se dá quando metade dos 513
deputados já registraram presença. Ou seja, bastam 257 no plenário. Nessa
hipótese, 129 votos já seriam suficientes para colocar o processo do pedido de
impeachment em andamento.
O governo tem perdido quase todas as disputas na Câmara. Uma votação
como essa é muito mais fácil para a oposição do que para o Planalto.
Nessa estratégia, Eduardo Cunha fica
preservado num momento em que está se defendendo da denúncia de envolvimento na
Lava Jato (eis a íntegra da acusação).
A
única forma de Eduardo Cunha colaborar de maneira eficaz com o governo seria
não fazendo nada. Teria de não se pronunciar a respeito dos pedidos de
impeachment: não manda para a frente nem arquiva. Ele tem poder para agir
assim. O Regimento Interno da Câmara não fixa prazo para que o presidente
da Casa tome uma decisão quando recebe pedidos de impedimento contra o
presidente da República.
Nos últimos anos, os pedidos que chegam são
sempre ignorados por muito tempo. Depois, são arquivados – por serem ineptos e
não terem fundamentos legais. Isso dificulta a vitória de algum recurso
contrário ao arquivamento e apresentado ao plenário. Só que agora Cunha tomou
uma providência: pediu que a assessoria da Câmara verificasse todos os
problemas formais e perguntou aos autores se desejariam fazer alguma correção.
Muitos fizeram isso.
Na avaliação dos técnicos da Câmara, 2 ou 3
pedidos de impeachment atendem a todos os requisitos técnicos.
Se Cunha concordar em rapidamente mandar
arquivar todos os pedidos, a oposição escolherá um deles para ser debatido no
plenário.
O QUE DIZ O REGIMENTO
O artigo 218 do Regimento Interno da Câmara
tem 2 parágrafos mais relevantes para sustentar essa estratégia da oposição.
O parágrafo 3º diz que “do despacho do
presidente que indeferir o recebimento da denúncia caberá recurso ao plenário”.
Ou seja, quando Cunha rejeitar os pedidos de
impeachment e mandar arquivá-los, a oposição poderá recorrer ao conjunto total
dos deputados da Casa.
Como o parágrafo 3º não especifica como será
a votação (fala só em “recurso ao plenário''), a regra nesses casos é adotar a
maioria simples – o caminho mais fácil para a oposição.
Depois da votação em plenário, se a maioria
dos deputados reverter o arquivamento promovido por Cunha (cenário mais
provável na conjuntura atual), o processo de impeachment começa a tramitar de
maneira irreversível – e muito rápida.
É que o parágrafo 4º do artigo 218 do
regimento dos deputados afirma que “do recebimento da denúncia será notificado
o denunciado para manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões”.
Ou seja, uma vez o plenário – por maioria
simples – dizendo que o pedido de impeachment contra Dilma deve ser analisado,
nada mais poderá ser feito. A presidente teria de apresentar sua defesa a uma
comissão especial, que daria seu parecer em até 5 sessões. É um processo
sumário e muito rápido.
Depois que a comissão apresenta seu parecer,
o assunto entra na “ordem do dia” da Câmara em 48 horas. Eis o artigo que trata
de impeachment no Regimento Interno da Câmara:
No plenário, quando o impeachment vai de fato ser apreciado, o cenário é
mais difícil para a oposição. São necessários 342 votos: dois terços dos votos
dos 513 deputados para que a presidente da República seja impedida – afastada
do cargo até que o Senado julgue o processo em definitivo.
A decisão no plenário da Câmara, segundo o
regimento da Casa, é “por votação nominal, pelo processo de chamada de
deputados”. Trata-se do sistema no qual o congressista é chamado pelo nome,
caminha até o microfone, faz um minidiscurso e declina o seu voto. Tudo transmitido
ao vivo pelas TVs. É o momento da glória para os políticos interessados em
autopromoção, fazer populismo e pensar muito mais em si próprios do que no
país.
O QUE PODE DAR ERRADO PARA A
OPOSIÇÃO
Eduardo Cunha pode se recusar a entrar nessa estratégia. Ele tem sido ambíguo
nas suas conversas com deputados de oposição. Tudo está nas mãos do presidente
da Câmara.
COMO O GOVERNO PODE REAGIR
Se Cunha aceitar arquivar os pedidos, permitindo o questionamento em plenário,
será necessária uma manobra muito grande para impedir a instalação da comissão
especial que analisará o tema.
O governo hoje mal consegue indicar seus
deputados para integrar o comando de CPIs relevantes como a do BNDES e dos
fundos de pensão. Não há, no momento, energia no Planalto capaz de manobrar
para impedir a instalação de uma comissão especial.
A esperança do governo é o Supremo Tribunal
Federal. Haveria uma disposição do STF para barrar a progressão de um processo
de impeachment, por considerar que não existe o fato concreto que configure o
“crime de responsabilidade'' de Dilma Rousseff. Seria uma saída para o
Planalto, mas com desgaste político gigantesco: 2 Poderes da República
(Legislativo e Judiciário) teriam de duelar em público.
Tudo considerado, é claro que ainda continua
intangível essa hipótese de prosperar um processo de impeachment. Só que
continua a existir disposição entre os oposicionistas. A popularidade presidencial segue no chão. A recessão econômica
entra na sua fase mais dramática neste 2º semestre de 2015. E Eduardo Cunha é
dado a estratégias heterodoxas (pode aceitar a “bruxaria'' do arquivamento dos
pedidos de impeachment).
Se o plano da oposição seguir em frente,
mesmo que o impeachment não venha, haverá enorme desgaste do Planalto. A
administração federal petista terá de suar até debelar por completo o problema.
Gastará energia vital que poderia ser usada para tentar recuperar a economia,
fazer o país andar e melhorar a conjuntura geral. Mas tudo isso teria de ser
adiado porque a prioridade número 1 será salvar Dilma Rousseff e mantê-la na
cadeira.
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Fonte: http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br
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