segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Brasil, day after


Manifestações: novamente faixas defendendo golpe militar 

A semana começa com a oposição e o governo fazendo avaliações e cálculos. E determinados analistas – intencionalmente, mas também por ignorância mesmo - realizando “abordagens nebulosas” sobre os protestos de ontem. No day after às manifestações, parece-nos que, entre outros elementos, podem ser assinalados os seguintes:

1) O foco do núcleo organizador dos protestos é um ataque à própria ideia de Esquerda. Do núcleo, ressalte-se. Isto significa dizer que nem todas as pessoas que participam das manifestações têm esse propósito, aliás, em muitos casos, talvez nem tenham presente o significado disso, e  são, sim,  movidas pela insatisfação imediata contra o governo. O núcleo organizador, não; ele tem um objetivo ideológico, que está expresso, por exemplo, nas palavras de ordem que definiu e repassou aos manifestantes para que as repetissem como papagaios de pirata. Posto isto, uma falácia se desfaz: que são manifestações sem direção e espontâneas. Na verdade, o modus operandi dos organizadores é bastante estruturado e, para quem acompanha a conjuntura na América do Sul, sabe que é similar ao modo de procedimento da oposição ao governo do Equador, que, por todas as vias, tem procurado emparedar e depor o Presidente Rafael Correa (a despeito, de se ter de reconhecer alguns equívocos deste). Com isso, fundamentalmente, assinalo que estamos em presença do surgimento de uma Direita (extrema, em determinado sentido) orgânica na América Latina, instrumentada ideologicamente e com atuação articulada no continente, fato que se insere no quadro de disputa hegemônica na região, o qual dei a saber anteriormente aqui em artigo publicado na revista lusitana Comuneiro. Frente a isso, chega a ser risível que a reação do petismo seja brandir o “coxinhas”.

2) A oposição, diga-se o PSDB (ou o “PSDB de Aécio”), não ficou tão bem na foto. Fez o chamamento para as manifestações, divulgou-as no horário eleitoral do partido, etc.; contudo, elas foram menores do que as manifestações passadas. Ou seja, a sua adesão oficial em nada acrescentou.

3) Como disse um colega da UFPB, saber quem está financiando as manifestações do “verde e amarelo” constitui-se numa interessante pauta de investigação. Falta, contudo,  jornalismo investigativo para tanto. O tema é relevante, até porque estamos vivendo o tempo da cobrança por transparência no financiamento de campanhas. São manifestações com um consistente grau de estrutura. Aliás, a propósito, o patamar da estrutura às vezes, quando o número de participantes fica aquém, sobrepõe-se ao público, como pode ser visto na manifestação de João Pessoa, no Busto de Tamandaré/Cabo Branco – eu próprio presenciei isso, por um misto de curiosidade e proximidade residencial.

4) Saltou aos olhos o modo como o Presidente da Câmara dos Deputados foi poupado nas manifestações. Leia-se, por aí, uma aliança às ocultas do núcleo organizador com Eduardo Cunha.

5) Constituiu-se num disparate político a decisão de apoiadores do ex-Presidente Lula de realizarem um ato no entorno do seu Instituto. Além de não obter visibilidade, ficou exposto a uma desproporcional comparação com o que ocorria na Avenida Paulista. É assim que se atira politicamente nos pés, bem como também quando se continua marcando manifestações para dias úteis/da semana, como a agendada para o dia 20 - enquanto os adversários realizam as suas marchas aos fins de semana, quando há maior disponibilidade para participação.

6) A Globo, designadamente o canal para assinantes (Globonews), oscilou a sua postura na cobertura das manifestações. Iniciou o dia concedendo-lhes pouco espaço, e mostrando-as esvaziadas. Contudo, mudou de posição e, embora sem o tom oposicionista de antes, passou à transmissão ao vivo - o que Miltou Temer interpretou como ‘o gato tendo subido ao telhado’. Claro, a emissora mantém a chancela ao “acordo de salvação” do Governo Dilma, mas isso tem condicionantes, como manter a Presidente sob pressão, dependente. Nenhuma surpresa - é o preço da vitória de Pirro. Mas, mesmo esse “amparo pirriano”, não é absoluto. Como assinalei aqui antes, há, pelo menos, três hipóteses para o “acordo de salvação” ser estiolado: um fato impactante no âmbito da Operação Lava Jato, uma “trampa” do Presidente da Câmara e a dimensão das manifestações de rua. Neste último caso, a oscilação da posição da Globo na cobertura ontem é uma evidência bastante reveladora.


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