segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O 'drive' político do momento: sobre bombas e 'ovo de serpente'

Bombas, as da pauta do parlamento e a que foi atirada contra a sede do Instituto do ex-Presidente Lula. Não se trata de fazer vistas grossas sobre os malfeitos cometidos sob o guarda chuva do lulismo. Bem pelo contrário, quem tiver culpa no cartório que pague pelos ilícitos cometidos. Mas, em nenhum país democrático do mundo, o lugar onde funciona o escritório de um ex-Presidente da República é atacado com bomba e se faz de conta que nada ocorreu. Terrorismo político, é de se apontar. O filme 'O Ovo da Serpente' enfoca, na Alemanha, os acontecimentos que precederam a ascensão do nazismo. Com o grau de intolerância que estamos a viver no Brasil, agora já com lançamento até de bomba, é inevitável que não se faça um paralelo com o caso alemão, sobretudo porque são nitidamente fascistas algumas manifestações que estão a ocorrer em nosso país. O jornalista Ricardo Melo trata do tema no artigo a seguir. 

Filme 'O Ovo da Serpente': olho do nazismo 

Por Ricardo Melo 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, promete barulho na volta do recesso. Seria a pauta-bomba. O objetivo de Cunha, nem ele esconde, é reforçar o emparedamento do Planalto. O lema: se hay Dilma, soy contra. Para azar do deputado, neste meio tempo ele passou definitivamente de pedra a vidraça. Mas o jogo ainda está para ser jogado.
Bem mais real do que especulações parlamentares foi o atentado contra o Instituto Lula, ocorrido na noite da última quinta-feira (30). Em qualquer país mais ou menos sério, o ataque ao escritório de um ex-presidente da República num ambiente envenenado como o atual seria classificado de ato terrorista. Uma bomba jogada na sede onde trabalha um dos principais líderes políticos brasileiros merece outro nome?
Aliás, tampouco se trata do primeiro atentado a instalações do PT. Foi o terceiro num curto espaço de tempo. Acidentes? Nada disso. Eles representam uma escalada previsível. Nos últimos meses, já tivemos fotógrafos agredidos, cidadãos atacados durante passeatas, leitores de revistas humilhados em aviões e jornalistas perseguidos porque são parecidos com Lula. Isso para não falar das agressões em lugares públicos –hospitais, restaurantes– contra quem não reza a cartilha do impeachment da presidente.
"Ah, mas foi uma bomba caseira e não deixou feridos", simplificaram as notícias sobre o atentado. Como se o fato de ser "feita em casa" anulasse a agressão cometida. Comediantes de ocasião e locatários das redes sociais aproveitaram o momento para exercitar sua discutível criatividade. Pena que Lula não estava lá, disseram uns. Foi coisa armada pelo próprio PT, acusaram outros.
As reações do mundo político, então, impressionaram pelo silêncio. Nem com uma lupa é possível encontrar manifestações veementes de repúdio. Queira-se ou não, tal complacência equivale a endossar esta forma de ataque. Já vimos este filme outras vezes.
Que a oposição se cale do alto do muro, no Brasil ou na Sardenha, até se compreende. Mas soa injustificável autoridades tergiversarem sobre a gravidade do ocorrido. "Jogar uma bomba caseira na sede do Instituto Lula é uma atitude que não condiz com a cultura de tolerância e de respeito à diversidade do povo brasileiro", reagiu a presidente Dilma pelo... Twitter! O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, conseguiu ser mais patético: "Tudo é considerado quando temos um fato sob investigação. A polícia agirá para apurar o que ocorreu, pois é uma situação que merece uma investigação e, quando se pegar o autor, será necessário punir". Não diga.
Inexplicavelmente, o assunto foi entregue à Polícia Civil de São Paulo, conhecida pelos índices raquíticos de solução de casos. Nos bastidores, diz-se que a hipótese mais forte aponta para "baderneiros". Por que meros baderneiros resolveram atacar o escritório de um ex-presidente da República em vez do Museu do Ipiranga, que fica ao lado, parece um mistério fácil de decifrar –menos para o ministro da Justiça. Cadê a Polícia Federal, considerando que se trata de um caso envolvendo um ex-presidente?
O Brasil vive uma luta política. A saída mais trágica é minimizar fatos relevantes invocando tolerância, diversidade ou obviedades do tipo "tudo será investigado". Se os próprios agredidos temem se defender e chamar as coisas pelo nome, o que está ruim só pode ficar pior.
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Fonte: Jornal Folha de São Paulo, edição para assinantes do dia 03/08/2015. 

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