Por Léa Maria Arão Reis
Vimos o filme Retorno a Ítaca. Filme decepcionante, de um diretor belga que até então
admirávamos, Laurent Cantet, e coautor do roteiro de Leonardo Padura, festejado
escritor cubano de O homem que amava cachorros, um amargo crítico do governo do
seu país. Preparada para comentá-lo, antes nós assistimos ao vídeo amador da
mais recente abordagem dos imbecis fanáticos de direita ao ministro Guido
Mantega que almoçava com a mulher num restaurante de São Paulo - cidade cujo
bairro dos Jardins e adjacências vão se tornando tristemente conhecidos como um
vasto ofidário.
Decidimos passar na
frente da dupla Cantet-Padura a resenha do filme alemão A Onda, (de Dennis
Gansel/ 2008), aguardando na fila de trabalho, para reforçar o coro de vozes de
alerta para o perigo do ovo da serpente do nazifascismo chocado no Brasil. Ovo já
estalado e transmutado nas serpentes que circulam pelas ruas – pelo menos nas
ruas das nossas grandes metrópoles.
Na época do seu
lançamento, Die Welle causou grande comoção na Alemanha. Nas dez primeiras
semanas foi visto por mais de dois milhões de espectadores. O ensaio no qual
foi inspirado, The third wave, é de autoria de um professor americano que
relata um experimento realizado com seus alunos de nível médio, em uma escola
de Palo Alto, na Califórnia, em 1967. Os fatos são reais.
Este trabalho do
professor Ron Jones deu origem ao livro homônimo ao filme - The wave, de Morton
Rhue – que se tornou leitura obrigatória no currículo das faculdades de ensino
alemãs. O filme traz o assunto para o cenário alemão – poderia ser qualquer
outro - , em uma adaptação livre, e para a época atual.
Ron Jones conta
como um professor de ensino médio, ao decidir fazer sua experiência pedagógica,
pode manipular e intoxicar os garotos com uma ideologia autocrática atraindo-os
com símbolos, uniformes, saudações, espírito de corpo, pichações, roupas com
slogans, provocações públicas e, com muita sutileza, despertando e estimulando
preconceitos adormecidos em relação aos que não se sentem à vontade e se
contrapõem para aderir ao seu movimento. Discriminando, agredindo - até
fìsicamente - e insultando.
Em A Onda, o
professor Rainer Wenger propõe esse perigoso exercício “unificador” aos meninos
que não acreditavam na possibilidade de se repetir um regime totalitário na
Alemanha de hoje. A participação dos alunos, terceira geração pós Segunda
Guerra, é entusiasmada. Rainer começa o experimento para demonstrar como é
fácil manipular as massas. O método adotado é simular um governo ditatorial
representado por ele próprio. Os alunos, a população governada por ele.
O principal motivo
do professor Wenger – assim como Jones na vida real – ao iniciar este processo
foi se concentrar nos argumentos dos alunos que diziam não conseguir entender
como tantos alemães foram coadjuvantes do nazismo. A obra mostra como
ideologias nascidas da serpente podem estar acima de um povo que se cala. E, no
final, acaba inocentado porque foi exposto à poderosa e hipnótica corrente
mental.
A última sequência
do filme, cuja narrativa todo o tempo é ágil e absorvente, com ritmo ajustado,
mostra uma assembleia dos membros do movimento, afinal batizado de A Onda,
convocada pelo professor no auditório da escola. Herr Wenger (como exigia ser
chamado pela ‘população’ escolar) percebe que a experiência está fugindo do seu
controle. Deseja esvaziá-la e terminá-la. Tarde demais. A história acaba em
tragédia.
Outro cenário em um
auditório – este, para dois mil alunos, lotado como o do professor Rainer: o da
PUC/RS, em Porto Alegre, mês passado. O palco está montado para o Fórum da
Liberdade*, é decorado com os logotipos dos patrocinadores oficiais do evento -
Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS (afiliada da Rede Globo) – e apresentam a
atraente guatemalteca Gloria Alvarez, de 30 anos, filha de pai cubano e mãe
descendente de húngaros.
Companheira
ideológica da blogueira cubana Yoani Sánchez com quem realizou um périplo de
trabalho pelas capitais da América Latina este ano ( palestras, seminários,
apresentações variadas) subvencionadas ambas por grupos e instituições da
direita radical dos EUA e de think thanks conservadores americanos, Alvarez é
recebida com aplausos pelos meninos da PUC-RS também eles entusiasmados assim
como os do professor Rainer. Começa pregando perigosas besteiras. Sempre
aplaudida, às vezes de pé, por uma plateia que ela sabe bem, com seu talento e
graça, inflamar por meio da tal corrente hipnótica.
Algumas das suas
perniciosas abobrinhas:
“Não
há minorias; a menor minoria é o indivíduo, e a ele o que melhor serve é a
meritocracia”.
“É essa a verdade,
meus queridos amigos do Brasil - todos somos egoístas. E isso é ruim? É bom?
Não, é apenas a realidade.”
“Imaginem
que, nesse auditório, alguns queiram o direito à educação, outros o direito à
saúde, outros o direito à moradia. ... se eu dou a vocês a educação todos aqui
vão pagar por isso; e vocês vão ser VIPs e eles, cidadãos de segunda categoria.
Se eu dou a eles a saúde, todos neste auditório vão pagar pela saúde deles, e
eles vão ser VIPs. Se eu dou a esses as moradias, vou ter que tirar de todos
vocês para dar moradia a eles, e eles vão ser os VIPs. Isso não é justiça
social; é desigualdade perante a lei.” Risos, muitos risos de aprovação e
aplausos.
A sequência na
PUC-RS poderia ser encaixada, com brilho, no filme A Onda onde a manipulação
política é apresentada através da escola.
Aliás, a propósito
da onda gaúcha lembramos um estudo produzido na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais que diz sobre o filme alemão: “O vazio de
identidade com o qual a juventude sofre; o consumismo desenfreado presente na
sociedade capitalista, a ausência de projetos coletivos e o desinteresse das
pessoas, em geral, pela política, podem levar à alienação política e ao cultivo
de lideranças autoritárias.”
Mas outras formas
existem de produzir a tal poderosa corrente hipnótica que intoxica, aliena e
entorpece. É a que estamos vivendo com exacerbo nesta hora do Brasil com a onda
radical de lavagem de cérebros da nossa população por parte da mídia. Da velha
mídia concentrada nas cinco famílias, mas em particular da mídia/Globo
monopolista agindo em cadeia nacional de televisão fechada e aberta, em
jornais, rádios e revistas de ampla circulação.
A corrente se
alimenta dos bonecos de pano enforcados de Lula e Dilma, na manifestação da
Paulista. Das ameaças de morte à deputada Maria do Rosário e da pichação diante
da residência de Jô Soares. A temerária abordagem agressiva, na rua, a um pai
petista com o bebê no colo. Os adesivos insultuosos. A provocação recente dos
grupinhos ridículos – mas não inocentes -, no domingo da ciclovia paulista. A
vulgaridade e a ignorância de um apresentador domingueiro barato, de TV. As
duas agressões ao ex-ministro Mantega. As ironias e as caras-e-bocas das
jornalistas que analisam (?!) movimentos políticos. A desinformação
premeditada. A informação cuidadosamente manipulada. O jornalismo de esgoto.
Estes rebentos do
regime ditatorial civil-militar, agora já adultos, este viveiro de serpentes
brasileiras faz relembrar um poema que muitos acreditam, equivocadamente, ser
de autoria de Brecht. Chama-se ‘No caminho, com Maiakóvsky’, e é do niteroiense
Eduardo Alves da Costa, escrito na década de 1960.
Tu sabes,
conheces melhor do
que eu
a velha história.
Na primeira noite
eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite,
já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em
nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso
medo,
arranca-nos a voz
da garganta.
E já não podemos
dizer nada.
Neste momento nós [no
Brasil] estamos na segunda noite.
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Fonte: http://cartamaior.com.br/
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