Por André Singer
Acontece
sempre que a sociedade perde a direção e não ia ser diferente desta vez: o
mundo político começa a produzir um festival de bizarrices. Observe-se.
Três semanas atrás, Eduardo Cunha foi
acusado, no contexto da Lava Jato, de ter exigido e recebido propina de 5
milhões de dólares. Em resposta, decide romper com a presidente da República. O
que uma coisa tem com a outra?
Nada. Dilma Rousseff não controla a Justiça,
o Ministério Público nem a Polícia Federal. Cunha sabe. Trata-se de manobra
diversionista. Para encobrir a grave denúncia que o atinge, joga o foco sobre o
impeachment de Dilma, o qual se dedica a preparar com base na possível rejeição
pelo Tribunal de Contas da União (TCU) das contas de 2014.
Na quarta (5), o vice-presidente da República
chama a imprensa e reconhece que a situação é "grave" porque em
reunião com as lideranças dos partidos governistas não conseguiu acordo a
respeito dos salários de servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), de
procuradores e de delegados. Michel Temer aproveita a oportunidade para
indiretamente se oferecer como alternativa para reunificar a nação. O que a
unidade nacional tem a ver com a PEC 443?
Nada. O Brasil precisa se unir para bloquear
o aumento de alguns funcionários públicos? É esse o projeto em torno do qual
devemos nos congregar? Aliás, ao redor do que o país está dividido, mesmo? Ah,
não, desculpe, foi só o jeito de avisar que, caso a loucura metódica do Cunha
der certo, posso assumir a Presidência.
No dia seguinte, diante do movimento de
Temer, a fração aecista do PSDB apressa-se a mudar de posição e abandona o
impeachment liderado por Cunha. Resolve conclamar a população a marchar pela
realização imediata de novas eleições. O que a unificação nacional para
combater o movimento dos empregados da AGU tem a ver com a aprovação das contas
de Dilma?
Nada. Ocorre que se houver impeachment da
presidente e Temer assumir, em 2018 Alckmin e Serra vão disputar, dentro do
PSDB, a vaga de candidato com Aécio. Mas se o TSE cassar a chapa Dilma e
Michel, convocando-se pleito agora, Aécio teria a seu favor o recall da eleição
presidencial recém-disputada e o fato de que Alckmin precisaria renunciar ao
governo de São Paulo.
Enquanto evolui em Brasília o enredo
amalucado dos políticos profissionais, sugiro a Dilma ler a excelente
entrevista do economista da Unicamp Pedro Paulo Zahluth Bastos no
"Valor" (6/8). A economia só sai do baixo-astral com medidas
anticíclicas, diz o colega. Se for para cair, caia pelos bons motivos,
presidente. Não por tentar cumprir o programa completo do seu adversário do ano
passado.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 08/08/2015.
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