sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O infinito tilintar das chaves

Óleo e acrílica sobre tela ₢ Francisco Ben
Óleo e acrílica sobre tela,  Francisco Ben

Por Eric Costa 

Somos reféns perpétuos de nosso próprio microcosmo mental. Já diria eu outras vezes por essas mesmas linhas tortas.
Eternidade é transcendental ao tempo: agrava-se quando se vê a chave de nossos problemas às mãos de um carcerário cruel, que faz do tilintar das chaves a gota torturante que cai sobre a testa indefinidamente. É desumano – ou talvez seja humano demais? – constatar: as soluções estão logo ali, mas o braço é curto demais para alcançá-las – se é que somos capazes de esticá-los.
Um pesadelo. Um medo profundo de não acordar. Uma fiel certeza de aquela agonizante dimensão ser real por alguns minutos. Por horas, quem sabe. Em um cárcere profundo, perdem-se as noções de tempo e espaço. Braçadas, passos largos e quedas a outros planos. Súbito, um universo em desejada e longamente pretendida expansão. A orquestra ao fundo, com o maestro de sempre, mas com uma peça teatral em palco vizinho. Nela a imperfeita simetria com a assimetria tão sempre pensada: os personagens de sempre, mas em áureo rearranjo. Poderia se dizer ideal, se tal condição existisse e não fosse uma utopia palpável apenas às visões distorcidas.
Outrora, do caos a criação – não que a atualidade seja diferente disto. Do profundo e sombrio pesadelo, um par de minutos em harmônico sonho.
Há um quê de admiração, no fim, a anarquia deste microcosmo mental que nos cerca. Sob nosso lúcido controle, somos encarcerados na vigília. Os muros e grades ao nosso redor? Um pouco de mais do mesmo daquilo que é intrínseco.  Ao sono, parecemos ganhar o pincel da criatividade, as tintas e até mesmo as telas já prontas que tanto idealizamos nas tão improdutivas horas que habitam nossos dias. O piloto automático do acordar, ao dar lugar ao voo planador das horas de sono, nos faz refletir que a mesma encarcerada mente diurna é espírito livre à escuridão e capaz de dos pesadelos edificar sonhos em estalar de dedos.
O que afasta cada um de tal propriedade de constante mudança, se só ela é de fato permanente? O braço de cada um poderia, mas não estica o suficiente a alcançar as chaves dos problemas. É a terceira conclusão que tiro da mesma forma. Segunda? De fato, a desordem cerca. Até contar torna-se difícil. Mais pura constatação de se estar perdido meio a um laço infinito.
O braço segue sem esticar. Talvez por incapacidade. Quase certamente por opção. As portas da percepção me trazem: será mesmo girar as chaves e explorar novos horizontes o desejo definitivo? Na imperfeita métrica humana, segue-se caminhando. Ao sabor de quem dedilha as cordas do universo sim, mas talvez ao som da sinfonia do tilintar de chaves do carcerário com a qual, quem sabe, já estejamos  acostumados e rendidos. E que talvez meramente aceitemos.
Um medo agonizante de não acordar, por ora. Um receio sem fim do que nos habita a simples abertura dos olhos. Quase sempre.
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Fonte: http://canalsubversa.com/?p=2422

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