Da pena da Profa. Laura Carvalho, reproduzo aí um inteligente artigo sobre a crise econômica que estamos a viver. Originalmente intitula-se 'O bebê, a água e a bacia'. Está bem acima da média dos "ralos textos" sobre o assunto.
Por Laura Carvalho
(Faculdade de Economia/USP)
Há
apenas dois anos, as manifestações de junho colocavam na agenda a urgência de
se melhorar o transporte urbano, a saúde, a educação e outros serviços
públicos. Ajudaram inclusive a presidente Dilma a aprovar no Congresso a
destinação de 10% de royalties do pré-sal para a saúde e a educação.
Hoje, a pretensa agenda do ajuste fiscal
propõe uma operação de desmonte do Estado de bem-estar social brasileiro,
evidenciada pela ofensiva atual contra a obrigatoriedade dos gastos com saúde e
educação, e o contrato social que deu origem à Constituição de 1988.
A má vontade da ortodoxia quanto ao papel do
Estado não é novidade. A pergunta que não quer calar é: que erros cometidos
pelo governo do PT abriram espaço para tal retrocesso?
Primeiro, não foi o excesso de
intervencionismo que nos trouxe de volta para o túnel infinito da austeridade,
mas sim o tipo de desenvolvimentismo –aqui desculpo-me com os imortais Raúl
Prebisch e Celso Furtado por usar o termo de forma tão ampla– que orientou a
política econômica desde 2011.
Entre 2004 e 2010, o Brasil conseguiu obter,
juntamente com as taxas mais altas de crescimento, uma redução sem precedente
das desigualdades sociais e regionais, o aumento sustentado dos salários, a
elevação do nível de emprego formal, a melhoria das contas públicas e externas,
tudo isso com uma taxa de inflação sob controle. O investimento cresceu em
média 6,7% ao ano no período, superando até o crescimento do consumo, que foi
de 4,5% anuais.
O Estado teve papel crucial para essa
expansão do mercado interno, não só com as políticas de transferência de renda
e salário mínimo, mas também com a ampliação dos investimentos em
infraestrutura física e social. No entanto, no final do segundo mandato do
presidente Lula, crescia a visão de que tal estratégia de crescimento,
erroneamente tachada de "liderada pelo consumo", era insustentável.
Seria necessário desviar o foco para o mercado externo, o que exigiria medidas
que elevassem a competitividade da indústria e reduzissem o custo da mão de
obra.
A presidente Dilma atende ao canto das
sereias. Desvaloriza o câmbio, interrompe a expansão do investimento público e
contrai o crédito ao consumidor, ao mesmo tempo em que subsidia a lucratividade
dos empresários por meio de desonerações tributárias, controle de tarifas
energéticas e crédito do BNDES.
A inflação revive, em parte pelo próprio
aumento no custo de importados, e dá o tiro fatal no vilão consumo. As
exportações, por outro lado, não esboçam qualquer reação, dada a crise
internacional e a insensibilidade daquilo que exportamos a variações no câmbio.
E assim, o investimento morre também, abraçado, como sempre, aos demais
componentes da demanda.
Diante do custo das medidas e do baixo
crescimento, o governo passa então a ter dificuldades de cumprir a meta de
superavit primário e a estabilizar a dívida pública.
O fim da história nós conhecemos bem:
manobras fiscais, mais tentativas de subsidiar margens de lucro, e o
"ensaio desenvolvimentista"', parafraseando André Singer, tira da
agenda as demandas por um Estado empreendedor e protetor. E ao que tudo indica,
nos dedicamos agora a jogar fora, junto com a água suja do banho, o bebê, a
bacia...
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 07/08/2015.
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