Da lavra do veterano jornalista Jânio de Freitas, sob o título 'Dirceu outra vez', segue aí provavelmente um dos textos mais equilibrados na análise a respeito da prisão do ex-Ministro José Dirceu.
Por Jânio de Freitas
A
prisão de José Dirceu foi a menos surpreendente de quantas a Lava Jato faz
desde março do ano passado. Se justificada ou não, vamos saber quando os
integrantes da Lava Jato apresentarem em juízo o que veem como provas
convincentes. A carga pesada de acusações apenas verbais, feitas pelo
procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, desde logo criou uma imprecisão
sujeita a reparo histórico e atual. Foi quando definiu Dirceu como "o
instituidor e beneficiário" do "esquema" de corrupção na
Petrobras.
Dizê-lo instituidor é aliviar de um grande
peso acusatório os empreiteiros e ex-dirigentes da Petrobras que têm feito
delação premiada e, por isso, são chamados pelos componentes da Lava Jato de
"colaboradores". Ainda que não seja por deliberação, a transferência
de responsabilidades, concentrando-as em um só, é como um prêmio adicional à
delação já premiada.
A corrupção na Petrobras investigada pela
Lava Jato seguiu o "esquema" praticado há décadas pelas grandes
empreiteiras nas licitações e acréscimos de custo, em contratos com estatais e
administração pública. Se houve um "instituidor" do
"esquema", seu nome perdeu-se na desmemória do tempo.
Caso o Ministério Público e a Polícia Federal
se dessem ao trabalho de verificações retroativas, tanto encontrariam histórias
de honestidade como de vidas enriquecidas a partir de passagem por um cargo
alto na Petrobras. Mas, no Brasil, nem por curiosidade é acompanhada a evolução
das condições de vida de políticos e ex-dirigentes públicos.
Na geração atual dos funcionários elevados a
dirigentes corruptos da Petrobras, Pedro Barusco, que é tido como o mais
inteligente dos delatores premiados, já explicou que vem desde meados da década
de 90, ao menos desde 1997, as transações com a atual geração de dirigentes de
empreiteiras.
Também resulta como prêmio adicional aos
delatores já premiados a ideia de que o "esquema na Petrobras repetiu o do
mensalão". Um nada tem a ver com o outro. Na Petrobras, o dinheiro
manipulado estava embutido no custo de obras e de serviços ou bens como sondas.
No mensalão, os meios envolvidos foram banco e publicidade.
No caso pessoal de Dirceu, chama atenção a
disparidade entre as toneladas de atribuições que o procurador Santos Lima lhe
despeja e a sua espera quase passiva, em casa, pelos emissários da Lava Jato.
Quem se soubesse autor de tantos e tão graves atos ilegais, e da gana de é que
alvo, saberia também que o esperava uma condenação esmagadora. José Dirceu teve
farta oportunidade de fugir. Com a experiência de quem entrou e viveu no Brasil
da ditadura com rosto e nome mudados, e levou vida tranquila por anos, poderia
evaporar por aí sem dificuldade.
José Dirceu ficou, à espera. Não quis fugir.
Isto tem um significado. Não há como deixar de tê-lo. As suposições a respeito
podem variar, sobretudo ao compasso das posições políticas, mas só o próprio
Dirceu mostrará qual é.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinante, edição de 04/08/2015.
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