Cabo Branco - João Pessoa |
Por Fernando Pessoa [Bernardo Soares]
Sem
ver, sem pensar, olhos fechados já sobre o sono ausente, medito com que
palavras verdadeiras se poderá descrever um luar. Os antigos diriam que o luar
é branco, ou que é de prata. Mas a brancura falsa do luar é de muitas cores. Se
me erguesse da cama e visse por trás dos vidros frios, sei bem que, no alto ar
isolado, o luar é de branco cinzento azulado de amarelo esbatido. Sobre os
telhados vários, em desequilíbrios de negrume de uns para os outros, ora doura
de branco preto os
prédios submissos, ora alaga de uma cor sem cor o encarnado castanho das telhas
altas. No fundo da rua, abismo plácido, onde as pedras nuas se arredondam
irregularmente, não tem cor salvo um azul que vem talvez do cinzento das
pedras. Ao fundo do horizonte será quase de azul escuro, diferente do azul
negro do céu. Nas janelas onde bate, é de amarelo negro.
De
aqui, da cama, se abro os olhos que têm o sono que não tenho, é um ar de neve
tornada cor onde boiam filamentos de madrepérola morna. E, se o sinto com o que
sinto, é um tédio tornado sombra branca, escurecendo como se olhos se fechassem
sobre essa indistinta brancura.
(In: Livro do Desassossego, Companhia das Letras)
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