sexta-feira, 31 de julho de 2015

A companhia do pensamento: o que revela e esconde o luar


Cabo Branco - João Pessoa 

Por Fernando Pessoa [Bernardo Soares] 

Sem ver, sem pensar, olhos fechados já sobre o sono ausente, medito com que palavras verdadeiras se poderá descrever um luar. Os antigos diriam que o luar é branco, ou que é de prata. Mas a brancura falsa do luar é de muitas cores. Se me erguesse da cama e visse por trás dos vidros frios, sei bem que, no alto ar isolado, o luar é de branco cinzento azulado de amarelo esbatido. Sobre os telhados vários, em desequilíbrios de negrume de uns para os outros, ora doura de branco preto os prédios submissos, ora alaga de uma cor sem cor o encarnado castanho das telhas altas. No fundo da rua, abismo plácido, onde as pedras nuas se arredondam irregularmente, não tem cor salvo um azul que vem talvez do cinzento das pedras. Ao fundo do horizonte será quase de azul escuro, diferente do azul negro do céu. Nas janelas onde bate, é de amarelo negro.
De aqui, da cama, se abro os olhos que têm o sono que não tenho, é um ar de neve tornada cor onde boiam filamentos de madrepérola morna. E, se o sinto com o que sinto, é um tédio tornado sombra branca, escurecendo como se olhos se fechassem sobre essa indistinta brancura.

(In:  Livro do Desassossego, Companhia das Letras) 

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