Por Sándor Márai
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o
seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão
real, conhece o sgnificado das coisas, tudo se repete tão terrível e
fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais
que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça
o que fizer... Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não,
primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa
envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma:
porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está
repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E
quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a
vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia
acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te
traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários
habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não
te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces
todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem,
nem o mal... e isso é precisamente a velhice.
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Fonte: Sándor Márai, in As Velas Ardem até o Fim.
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