Por Ivonaldo Leite
Pululam por aí “análises” sobre o quadro na Grécia mais ou menos no seguinte estilo: ‘o Tsipras capitulou diante das imposições’; ‘já se sabia que iria se render’, ‘traiu o resultado do referendo e o povo grego’. Pois bem, são afirmações típicas, sobretudo, por um lado, de profetas do ‘fato consumado’ e, por outro, de um esquerdismo que Lenin qualificou como ‘doença infantil’. E, claro, pelo meio do caminho ainda há aqueles que, colocando-se como analistas sociais, deveriam ter um pouco mais de prudência, buscando mais informações e evitando o açodamento. Do contrário, tendem a ser meros opiniáticos.
Ora,
os referidos juízos de valor estrangulam
os fatos e refletem um desconhecimento
que beira o analfabetismo sobre três aspectos fundamentais: pressupostos econômicos,
as origens da crise grega e a sua evolução. Para início de conversa: a entrada
da Grécia no clube da moeda única (euro), por razões de indução geopolítica
externa ao país, foi precedida pela manipulação de dados fiscais – sob a
assessoria do estadunidense Goman Sanchs -, de modo a aproximar a dívida e o
déficit gregos dos critérios do Tratado Maastrich (derivado da cidade de mesmo nome, na Holanda, em 1992,
e que deu origem a União Europeia, substituindo a designação Comunidade
Europeia). Daí em diante o caminho ficou movimentado: crédito, transações de
bilhões e bilhões de euros, garantindo interesses de bancos mancomunados com
autoridades, levaram a Grécia a um beco sem saída com a explosão da dívida
pública, sob o impulso do pagamento de juros exorbitantes aos credores, gasto
militar imposto (para comprar armamento de potências da própria União Europeia,
inclusive), recapitalização estatal dos bancos privados, etc. O resultado pode
ser sintetizado no gráfico aí abaixo.
Fonte: BIS, Barclays Researh |
Ou seja, a dívida pública do país chegou a incríveis 175% do
PIB. O PASOK, partido dito 'socialista', cedeu a uma política econômica de austeridade ditada pela chamada
troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI) que agravou ainda mais
a situação, o que levou a sua defenestração do poder, sendo substituído pela
Nova Democracia (centro-direita) – que, contudo, continuou a tocar a mesma gaita
da austeridade, em concordância/aliança com o mesmo PASOK.
Nesse contexto de insatisfação e revolta, pela Esquerda, ascendeu ao poder o
Syriza, liderado por Tsipras. Para que
se tenha uma ideia da gravidade do quadro, milhares e milhares de gregos
passaram viver literalmente no escuro, por não terem condições de pagar a conta
de energia elétrica, além de viverem um desemprego galopante. No poder, o Syriza procurou colocar freios na
austeridade, garantindo o atendimento às necessidades básicas da população,
como ter acesso à eletricidade. E buscou renegociar em novas bases a dívida do
país com a União Europeia (entenda-se Alemanha, que é quem dá as cartas).
Resistiu e - com o destemido ministro Yanis Varoufakis – apresentou alternativas.
Os alemães, com a vergonhosa cumplicidade do governo francês, bateram-lhe a
porta. Propuseram-lhe o aumento do sacrifício com novas medidas Não
concordando, o Primeiro-ministro convocou um plebiscito para a população opinar.
O rechaço popular às medidas propostas garantiriam-lhe, em tese, mais capital
político para negociar. A União Europeia, todavia, insatisfeita com a ousadia
(pois não aceitava o plebiscito) apertou ainda mais a corda, apresentando um
programa de ajuste duríssimo,
politicamente e socialmente, como condição para oferecer algum apoio aos
gregos. Era isso ou nada. De modo que Tsipras subiu ao parlamento para
solicitar anuência ao acordo, que foi aprovado.
O que poderia ele fazer, além disso? Difícil imaginar. Margem de
manobra já não existia. O país está à beira do caos, com bancos fechados, a
população impedida de sacar recursos, alimentos começando a faltar, aposentados
padecendo com as pensões ameaçadas e sem poderem comprar medicamentos, etc. Num
quadro como este e com o histórico que tem a situação grega, é para, no mínimo,
se levar na pilheria as asneiras que os ‘profetas do fato consumado’ e os opiniáticos têm escrito sobre uma suposta traição de Tsipras. O Primeiro-ministro teve,
sim, maturidade em colocar os interesses do país em primeiro plano, ao invés dos
seus, mesmo sabendo que pode se arruinar politicamente. O que lhe restaria? A saída imediata da zona euro, com a adoção do dracma (antiga
moeda grega)? De forma abruta, isso seria um desastre sem
precedentes, com o aprofundamento do desabastecimento e da miséria no país, considerando
que todas as transações correntes estão conectadas ao euro e lhe têm como
lastro. No discurso que fez ao parlamento, dizendo que era a aprovação do
acordo ou nada (o caos), há aspectos da fala de Tsipras, que não estão a ser
expostos, mas que evidenciam a dignidade da sua ação e o modo como de cabeça
erguida ele resistiu e buscou alternativas, quais sejam:
1)
Afirmou que considera o pacto lesivo ao país.
2)
Informou que buscou saídas fora da União Europeia: bateu à porta, por exemplo,
da China e da Rússia, mas não encontrou apoio
3)
Reconheceu que o acordo é uma rendição, mas que se trata de uma escolha entre a
rendição ou o colapso político-econômico do país.
4)
Identificou os responsáveis pela situação vivida pela Grécia, afirmando ser
necessário combatê-los.
5)
Não transformou necessidade em virtude, como se o acordo fosse um capítulo
harmônico à estratégia de desenvolvimento traçada pelo Syriza, o seu partido.
6)
Não vendeu felicidade ou irrealismo.
7)
Não dourou a pílula, mas, sim, fez em
um destacado esforço para informar e
educar militantes e cidadãos que até agora marcharam ao seu lado.
Procure-se um político que, na condição em que se encontra o
Primeiro-Ministro grego, agiria dessa forma, sem recorrer às operações de
marketing, para disfarçar a realidade indigesta e ocultar os fatos, buscando salvar
a sua pele. Difícil encontrar. Em meio à adversidade, reconheça-se: Tsipras
manteve a hombridade, preferiu falar a verdade e não baixou a guarda.
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