Não chamem para o mesmo 'rendez-vous' alguns (ex)aliados da política universitária interna na UFPB. Por o que me dizem, mais do que faísca, pode sair fogo mesmo. O que a disputa por um suposto 'poder' (?) não faz! Ou de quando se é possuído pela mente do poder. Melhor ser mais leve. Eu lembro o poético Bob Marley: "há pessoas que amam o poder/e outras que têm o poder de amar". Pois bem, nas articulações para as próximas eleições à Reitoria, ao invés da disputa pequena em torno de nacos do poder, melhor seria discutir propostas e projetos de universidade, mas que não seja só mero faz de conta, como é próprio dos períodos eleitorais. E que nos mantenhamos longe, bem longe, da praga demagógica do populismo. Para tanto, os interessados podem, por exemplo, começar se municiando de argumentos com a leitura do livro 'A Educação Superior na América Latina e os Desafios do Século XXI', recém publicado sob a coordenação do Prof. Simon Schwartzman. A apresentação da obra está aí abaixo, feita por ele próprio.
Por Simon Schwartzman
No primeiro semestre de 2013, tive o privilégio de
coordenar o curso sobre “Educação Superior na América Latina e os Desafios do
Século XXI” junto à Cátedra UNESCO do Memorial da América Latina em São Paulo,
que permitiu que vários entre os principais estudiosos da educação
superior da região viessem para apresentar e discutir suas idéias e
conhecimentos com um grupo excepcional de participantes de diferentes
instituições e cursos superiores do Brasil e do exterior. Um dos resultados do
curso foi o livro A Educação Superior na América
Latina e os desafios do século XXI.
O capítulo inicial, sobre a educação superior
e os desafios do século XXI, trata de dois temas correlacionados, que formam o
pano de fundo para os capítulos que seguem. O primeiro é o da origem das
universidades na Europa no período do Renascimento e sua evolução até os dias
de hoje, procurando ressaltar as motivações e valores que presidiram seu
surgimento e que ainda persistem: a valorização do conhecimento, a liberdade de
estudo e de pesquisa, a autonomia institucional e a colegialidade, postos a
serviço da formação das novas gerações. Esta é também a história do
relacionamento às vezes harmonioso, às vezes conflituoso, das universidades com
os poderes da Igreja e dos Estados e depois, cada vez mais, com o mundo da
economia. As universidades de hoje são muito diferentes das de então, e são
somente parte de um universo muito mais amplo que é o da educação superior, que
cada vez envolve mais pessoas e mobiliza mais recursos. E, no entanto, os
valores e motivações originais, relativos ao lugar do conhecimento, sua
produção, preservação e transmissão, e sua importância para as pessoas e
sociedade, persistem. Esta parte trata também da história peculiar das
universidades na América Latina, copiadas em sua origem e inspiração dos
modelos europeus, que se desenvolveram sobretudo como um canal de mobilidade e
afirmação social e política de novas gerações (e neste sentido não eram
diferentes das de outros países), sem, no entanto, incorporar da mesma maneira
os valores e as funções de valorizaçao do conhecimento, do estudo e da
pesquisa, fazendo com que o movimento estudantil da Reforma Univesitária de
Córdoba de 1918 ainda não tenha completado seu ciclo na maior parte do
continente. O segundo tema trata das universidades como instituições, cujo
funcionamento depende, em parte, dos valores e orientações dos que vivem em seu
interior – professores, estudantes, administradores – e, em parte, das demandas
e relações que estabelecem com o seu ambiente externo, que inclui os governos e
o mercado: é uma perspectiva necessária para abrir e entender a “caixa preta”
das universidades, que são mais complexas do que organizações criadas com
propósitos e missões claras e simples.
Jamil Salmi, no segundo capítulo, parte do
futuro, fala das mudanças tecnológicas que estão revolucionando os modos de
produção e transmissão de saber, e das necessidades de formação profissional,
científica e tecnológica requeridas pela nova sociedade do conhecimento. Há, em
todo mundo, uma corrida para fazer com que os sistemas de educação superior
sejam capazes de responder a estas demandas e participar, assim, do novo ciclo
de produção e geração de riquezas que está ocorrendo. Em que medida estes novos
recursos tecnológicos podem ser usados para melhorar a qualidade, relevância, e
eficiência da educação superior, e assim trazer para ela os recursos de que
necessita para desempenhar bem seus novos papéis? O que países mais bem
sucedidos nesta corrida, como a Coréia do Sul, estão fazendo, e o que devem e
podem fazer países como o Brasil?
José Joaquin Brunner, no terceiro capítulo,
olha para a educação superior na América Latina em seu conjunto, e constata que
ela não somente se massificou, com milhões de pessoas buscando um tipo de
formação que antes era reservada para poucos milhares, mas está se universalizando,
ou seja, se transformando em uma aspiração de todas as pessoas. Neste processo,
as universidades tradicionais, que funcionavam como ilhas relativamente
isoladas, se transformaram profundamente e se viram atropeladas por uma grande
variedade de novas instituições públicas e privadas que têm pouco a ver,
aparentemente, com os ideais das instituições que no passado lhes serviram de
modelo. O que resta, neste novo cenário, destes antigos modelos e dos valores
que encarnavam? O que Brunner nos mostra é que, enquanto intelectuais e
educadores como o Cardeal Newman, na Irlanda, Abraham Flexner, nos Estados
Unidos, Humboldt, na Alemanha, e Ortega y Gassset, na Espanha, enalteciam e
propugnavam por manter e fortalecer as universidades de formação de elites e de
pesquisa de alto nível, em outras partes do mundo, começando pelos Estados
Unidos, o ensino superior crescia e se diferenciava, com as universidades se
transformando em multiversidades, incorporando novas funções e fontes de
financiamento, entre as quais os provenientes de uma crescente demanda por
serviços educativos do mercado. No mundo atual, a antiga metáfora da
universidade clássica, simbolizada pela Universidade de Humboldt na Alemanha e
fruto do surgimento da época moderna e a formação dos estados nacionais no
final do início do século XIX, deve ser substituída por uma nova metáfora, a da
universidade, ou, mais precisamente, a educação superior pós-moderna, cuja
característica principal não seria mais uma identidade própria e um núcleo
central de valores, mas uma multiplicidade de demandas, expectativas e formas
de funcionamento que transcendem todas as tentativas de enquadrá-la em um
modelo único e coerente.
Nas universidades tradicionais, bastavam seus
diplomas para assegurar a qualidade profissional e técnica de seus formados, e
o prestígio e a reputação de seus professores para garantir a qualidade de seu
trabalho intelectual e de pesquisa. No ensino superior de massas e pós-moderno
descrito por Brunner, isto já não basta, e todos os países, de alguma maneira,
procuram estabelecer sistemas de avaliação e certificação do ensino superior,
que é o tema do quarto capítulo de Elizabeth Balbachvsky. Ela nos mostra que os
principais países da América Latina, de uma forma ou outra, procuraram adaptar
os sistemas de avaliação e certificação de qualidade desenvolvidos em outras
partes, requerendo que as instituições passem por processos mais ou menos
complexos de certificação que, no entanto, encontram sempre limitações e acabam
servindo a diferentes propósitos. Uma dificuldade bastante comum é a
resistência das universidades tradicionais, que vêm nos sistemas de avaliação
externa, nem sempre de maneira infundada, uma ameaça à sua autonomia; outra é a
dificuldade que as agências governamentais têm de criar sistemas de
certificação que sejam capazes de avaliar efetivamente, e com credibilidade, as
centenas e milhares de instituições de ensino superior que existem nos
diferentes países. Existem questões relativas aos critérios e padrões de
avaliação (será que as faculdades voltadas ao ensino podem ser avaliadas
segundo os mesmos critérios das universidades de pesquisa?), e, também, quanto
aos interessados em seus resultados – os governos, que financiam as
instituições? As corporações profissionais, interessadas em preservar seus
mercados de trabalho? Os futuros estudantes? O setor empresarial?
Jorge Balán, no capítulo 5, trata de uma
questão central em todos os sistemas de educação superior que se massificam,
que é o da inclusão de pessoas e categorias sociais que, historicamente, não
tinham acesso ao ensino superior em seus países. Na medida em que os sistemas
de ensino superior crescem de tamanho, cresce também o acesso de pessoas que
antes não conseguiam se beneficiar dele. No entanto, este acesso continua limitado
por mecanismos de seleção baseados em provas e avaliações cujos resultados são
fortemente relacionados com a condição social e cultural dos candidatos –
estudantes de famílias mais pobres, que não tiveram acesso à educação básica de
qualidade, ou de minorias linguísticas e culturais, entram nestes processos
seletivos em desvantagem e terminam sendo excluídos. Balán apresenta as
experiências de inclusão de diferentes países na América Latina, chamando a
atenção para as diferentes formas em que ela pode se apresentar: diferenciando
as instituições para atender a públicos distintos, a expansão dos sistemas de
educação superior público, o financiamento da educação superior privado, e as
políticas de ação afirmativa baseadas em critérios de raça, etnia e classe
social, evidenciando, em cada caso, os benefícios conseguidos e os problemas
que surgem.
Helena Sampaio, no capítulo 6, examina em
profundidade o crescimento do ensino superior privado e, mais especialmente, o
ensino superior com fins lucrativos que se desenvolveu de forma extraordinária
no Brasil nos últimos anos, com o setor privado atingindo a 75% da matrícula,
metade dos quais em instituições com fins de lucro. Esta expansão se explica,
em parte, pelo fato de que o Brasil adotou, com a reforma universitária de
1968, um modelo de organização universitária que tentou copiar as “research
universities” americanas, com ênfase na pós-graduação, na pesquisa e na
organização departamental, com professores doutores contratados em regime de
tempo integral, um modelo que só deu certo em algumas partes, mas fez com que a
educação superior pública se tornasse extremamente cara para padrões
latinoamericanos, e sem condições de absorver a explosão da demanda por ensino
superior que começava justamente nesta época. A alternativa foi liberar a
expansão do setor privado, na expectativa ilusória de que ele eventualmente se
aproximaria do modelo das universidades públicas. Se no início predominavam no
setor privado as instituições religiosas e comunitárias, o lugar foi sendo
ocupado cada vez mais por instituições com fins de lucro, que se tornaram
legais por legislação instituída em 1997. Hoje, existem no Brasil empresas
atuando na educação superior com milhões de estudantes, com ações na bolsa
adquiridas por fundos de investimento e atuando sobretudo na área de educação
de massas de baixo custo, nas profissões sociais. Se no passado havia a norma
de que o setor privado não deveria dispor de recursos públicos, nos anos mais
recentes o governo federal, como parte de sua política de inclusão social,
passou a financiar fortemente o setor privado lucrativo ou não, através da
isenção de impostos do Prouni e do crédito educativo garantido pelo governo.
No capítulo 7, Sylvie Didou Aupetit aborda
outra dimensão central da educação superior contemporânea, o da
internacionalização. Em certo sentido, não é um tema novo: há décadas que o
tema da “fuga de cérebros” de países em desenvolvimento para os mais ricos é
objeto de preocupação, com os Estados Unidos, sobretudo, atraindo centenas de milhares
de profissionais formados muitas vezes com recursos públicos de seus países,
que deixam de se beneficiar dos investimentos feitos em sua educação. Vários
países, entre os quais México e Brasil, têm desenvolvido programas para
estimular o retorno destes profissionais, com graus diferentes de sucesso. Mas
a internacionalização tem também outros aspectos, muitos dos quais positivos,
como a vinda de professores e pesquisadores da Europa e Estados Unidos, as
competências trazidas pelos que retornam a seus países de origem e passam e
enriquecer suas instituições, e a criação de redes internacionais de cooperação
que atravessam as fronteiras entre países e regiões. Hoje se fala muito em
“circulação de cérebros”, no lugar de fuga, para sinalizar os aspectos
positivos da internacionalização, mas, como adverte a autora, não basta trocar
uma expressão por outra, sendo necessário entender mais em profundidade os
reais problemas e possíveis benefícios deste processo de internacionalização e
globalização que é, em última análise, inevitável.
No capítulo 8, finalmente, Renato Pedrosa
trata do tema da pesquisa universitária sob a perspectiva da sua “terceira
missão”, que é a da inovação tecnológica. Embora a pesquisa universitária
esteja, em todo o mundo, concentrada em um número pequeno de instituições
(contrariando o axioma atribuído à Universidade de Humboldt da
“indisssociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão”), ela tende a se
organizar de maneira bastante tradicional nestas instituições, em departamentos
constituídos conforme as classificações clássicas das áreas de conhecimento
(biologia, física, matemática, sociologia, línguas….), com grande parte do
trabalho sendo feito de forma individual por professores e, em grande parte
também, por alunos de pós-graduação em suas teses de doutoramento. O principal
objetivo da pesquisa é a publicação dos resultados na literatura especializada,
e são estas publicações que são utilizadas para avaliar e premiar o trabalho
dos professores e pesquisadores e seus departamentos. Ao lado desta forma de
trabalho, denominada de “modo 1”, existe entretanto uma outra maneira de
desenvolver a pesquisa dentro e fora das universidades, denominada de “modo 2”,
a “terceira missão” ou o “quadrante de Pasteur”, mais interdisciplinar,
com mais trabalho de equipe, voltada para resultados práticos, estabelecendo
parcerias com setores interessados em seus resultados, gerando inovação e nem
por isto menos conhecimentos de interesse científico de fronteira. Em sua
contribuição, Pedrosa mostra como a ciência brasileira se desenvolveu ao longo
dos anos, assim como suas características atuais – por um lado, um amplo
sistema de pesquisa acadêmica e pós-graduação, mas, por outro, ainda uma grande
dificuldade de se desincumbir de forma mais adequada de sua terceira missão.
No Brasil, as questões relativas ao ensino
superior tendem a ser vistas muito localmente, sem darmo-nos conta de que,
embora cada experiência seja única, fazemos parte na verdade de uma realidade
muito mais ampla que precisamos entender e conhecer melhor, para que possamos
inclusive aprender com os erros e acertos de outras partes. Esperamos que este
livro sirva de janela para este mundo mais amplo.
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