Nos Estados Unidos e na Europa, autoridades governamentais agem para ajudar bancos; no Brasil, é propriamente um representante dos banqueiros quem comanda o chamado 'ajuste fiscal'. Sim, esqueça as explicações de jornais sobre o que está em jogo na crise grega - eles não vão contar, com todas as letras, como os bancos estão no centro dela. O reverso da medalha do 'governo internacional dos banqueiros', contudo, é trágico para o próprio sistema. Marx então manda lembranças. De César Benjamin, vale conferir o artigo aí abaixo.
Por César
Benjamin
As economias modernas criaram um novo conceito
de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso,
mas de ampliar abstrações numéricas.
Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam “comportamento racional”. Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez requer sofisticação.
Quem refletiu
mais profundamente sobre essa grande
transformação foi Karl Marx. Em meados do século
XIX, ele destacou
três tendências da sociedade que então desabrochava:
(a)
ela
seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pelo aumento da capacidade de
produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou
simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria;
(b)
ela
seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais
populações dele participassem; no
limite, esse espaço seria todo o planeta;
(c)
ela seria compelida a inventar permanentemente novos
bens e novas necessidades; como as
“necessidades do estômago” são poucas, esses
novos bens e novas necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados para a fantasia, que
é ilimitada.
Para aumentar a
potência produtiva e expandir o espaço da
acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no
processo mercantil, formaria um sistema-
mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a
cultura e as formas de sociabilidade.
Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém,
obstáculos internos, que seriam, sucessivamente,
superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza
abstrata, e passar pela produção, organizando
o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim ele pode ressurgir ampliado,
fechando o circuito. É um processo demorado
e cheio de riscos, pois ninguém tem controle sobre o ambiente econômico em que opera.
Muito melhor é
acumular capital sem retirá-lo da condição de
riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx
denominou D
– D’ essa forma de acumulação e viu que ela teria
peso crescente. À medida
que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema
começaria a esgotar- se: ao repudiar o trabalho e a
atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-
vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse
se libertar dessa engrenagem, a humanidade
correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de
fins humanos. Dependendo de quais
forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização
(abolindo-se os trabalhos cansativos,
mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a
intensificação de conflitos). Maior o poder
criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não
é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma
mais pura, mais plena e mais
essencial, com ampla predominância da acumulação D – D’. Abandonou as mediações de que necessitava no período
anterior, quando contestações, internas
e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados
estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.
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Fonte: http://www.contrapontoeditora.com.br/arquivos/artigos/200809220938050.Karl_Marx_manda_lembrancas.pdf
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