Por Mario Sergio
Cortella
Na
Antiguidade, o começo do mês por nós chamado novembro inaugurava uma série de
celebrações religiosas das populações não cristãs no norte europeu. Para alguns
desses povos, o ano se iniciava exatamente nesse primeiro dia, com um novo
ciclo vital, coetâneo com as necessárias colheitas agrícolas e provisão para o
forte inverno que sempre viria. No mundo céltico, por exemplo, o período
marcava as festividades druídicas que, por meio de acendimento de fogueiras e
velas, procurava indicar a todos os espíritos, bruxas e fantasmas (que vagavam
soltos sob o comando de Samhaim, o Senhor dos Mortos, desde a última noite do
ano findante), o caminho para se afastarem do mundo humano.
Porém,
quando o cristianismo robusteceu-se e passou, inclusive, a ganhar hegemonia
social e econômica, uma das políticas adotadas pela Igreja da época foi buscar
superar os ritos e obrigações de outras religiões fazendo coincidir as próprias
celebrações principais com as festividades concorrentes. Uma consequência dessa
ação foi a oficialização de 1º de novembro como o Dia de Todos os Santos (ou
Consagrados), há quase 1.200 anos, pelo Papa Gregório IV, assumindo uma festa
cristã criada ainda no século VII; e, claro, como depois da homenagem aos
santos é preciso lembrar das almas dos que a eles podem ter-se juntado, no
século seguinte instituiu-se o Dia de Finados como dia subsequente no calendário
religioso.
A
questão central, no entanto, é que não há ato oficial que impeça a irrupção das
antigas convicções, dos temores seculares, das vivências religiosas e
culturais, ou, até, das comemorações praticadas independentemente das hierarquias
e do pode central. Por isso, mesmo com certa imposição majoritária, os povos do
norte da Europa, e descendentes dos anglo-saxões em outras regiões, não
abandonaram seus costumes mais recônditos e continuaram a honrar as crenças
ancestrais: na Inglaterra Medieval, especialmente, a véspera de Todos os
Consagrados (All Hallows Eve) permaneceu na memória e nas práticas como o Halloween, ou Dia das Bruxas entre nós.
Sendo
o “último dia do ano na contagem dos muitos povos nórdicos, fica evidente que
as inúmeras tentativas de predizer o futuro exigiam um recurso às forças
sobrenaturais que se acreditava capazes de auxiliar ou prejudicar a vida;
assim, uma das maneiras mais potentes para afastar a desgraça e atrair o
beneplácito era tornar lúdico esse
contato, por intermédio de máscaras, lanternas feitas com produtos agrícolas, fantasias
tenebrosas.
O
que leva um ser humano a acreditar em profecias ou a seguir determinadas
crenças? Antes de mais nada, somos seres que têm noção de tempo (passado, presente
e futuro); sabemos, também, que somos finitos e que a vida individual acaba.
Não queremos acabar, a menos que se perca a esperança de viver diferente e
melhor. Para tanto, desejamos saber, sempre, o que vai nos acontecer, isto é, o
que é que vem pela frente; nossa insegurança em relação ao futuro e nossa busca
em compreendê-lo leva, muitos, a procurarem explicações fantasiosas que, pelo
menos, ofereçam alguma proteção contra o inesperado. De uma certa forma, crer
em espíritos malignos ou benignos, ou seguir práticas que os professam, é uma
maneira de preparar-se e, minimamente, tentar controlar o desconhecido.
Feitiçaria,
encantamento, bruxaria, superstição? Tanto faz; o que vale é poder brincar (ou
levar a sério) a arte de interpretar os sinais desconhecidos e honrar os
temores profundos.
Por
isso, ecoa até hoje o apelo de Banquo dirigido à bruxa, nas palavras criadas
por Shakespeare no Ato I de Macbeth: “Se
tendes o dom de ler as sementes do tempo, e dizer quais hão de germinar, e
quais não, falai!”
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Fonte:
CORTELLA, Mario S. Não nascemos prontos: provocações filosóficas. Petrópolis: Vozes,
2006.
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