terça-feira, 14 de julho de 2015

Sementes do tempo e o que o desconhecido desperta



Por Mario Sergio Cortella

Na Antiguidade, o começo do mês por nós chamado novembro inaugurava uma série de celebrações religiosas das populações não cristãs no norte europeu. Para alguns desses povos, o ano se iniciava exatamente nesse primeiro dia, com um novo ciclo vital, coetâneo com as necessárias colheitas agrícolas e provisão para o forte inverno que sempre viria. No mundo céltico, por exemplo, o período marcava as festividades druídicas que, por meio de acendimento de fogueiras e velas, procurava indicar a todos os espíritos, bruxas e fantasmas (que vagavam soltos sob o comando de Samhaim, o Senhor dos Mortos, desde a última noite do ano findante), o caminho para se afastarem do mundo humano.
Porém, quando o cristianismo robusteceu-se e passou, inclusive, a ganhar hegemonia social e econômica, uma das políticas adotadas pela Igreja da época foi buscar superar os ritos e obrigações de outras religiões fazendo coincidir as próprias celebrações principais com as festividades concorrentes. Uma consequência dessa ação foi a oficialização de 1º de novembro como o Dia de Todos os Santos (ou Consagrados), há quase 1.200 anos, pelo Papa Gregório IV, assumindo uma festa cristã criada ainda no século VII; e, claro, como depois da homenagem aos santos é preciso lembrar das almas dos que a eles podem ter-se juntado, no século seguinte instituiu-se o Dia de Finados como dia subsequente no calendário religioso.
A questão central, no entanto, é que não há ato oficial que impeça a irrupção das antigas convicções, dos temores seculares, das vivências religiosas e culturais, ou, até, das comemorações praticadas independentemente das hierarquias e do pode central. Por isso, mesmo com certa imposição majoritária, os povos do norte da Europa, e descendentes dos anglo-saxões em outras regiões, não abandonaram seus costumes mais recônditos e continuaram a honrar as crenças ancestrais: na Inglaterra Medieval, especialmente, a véspera de Todos os Consagrados (All Hallows Eve) permaneceu na memória e nas práticas como o Halloween, ou Dia das Bruxas entre nós.
Sendo o “último dia do ano na contagem dos muitos povos nórdicos, fica evidente que as inúmeras tentativas de predizer o futuro exigiam um recurso às forças sobrenaturais que se acreditava capazes de auxiliar ou prejudicar a vida; assim, uma das maneiras mais potentes para afastar a desgraça e atrair o beneplácito era tornar lúdico esse  contato, por intermédio de máscaras, lanternas  feitas com produtos agrícolas, fantasias tenebrosas.
O que leva um ser humano a acreditar em profecias ou a seguir determinadas crenças? Antes de mais nada, somos seres que têm noção de tempo (passado, presente e futuro); sabemos, também, que somos finitos e que a vida individual acaba. Não queremos acabar, a menos que se perca a esperança de viver diferente e melhor. Para tanto, desejamos saber, sempre, o que vai nos acontecer, isto é, o que é que vem pela frente; nossa insegurança em relação ao futuro e nossa busca em compreendê-lo leva, muitos, a procurarem explicações fantasiosas que, pelo menos, ofereçam alguma proteção contra o inesperado. De uma certa forma, crer em espíritos malignos ou benignos, ou seguir práticas que os professam, é uma maneira de preparar-se e, minimamente, tentar controlar o desconhecido.
Feitiçaria, encantamento, bruxaria, superstição? Tanto faz; o que vale é poder brincar (ou levar a sério) a arte de interpretar os sinais desconhecidos e honrar os temores profundos.
Por isso, ecoa até hoje o apelo de Banquo dirigido à bruxa, nas palavras criadas por Shakespeare no Ato I de Macbeth: “Se tendes o dom de ler as sementes do tempo, e dizer quais hão de germinar, e quais não, falai!”
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Fonte: CORTELLA, Mario S. Não nascemos prontos: provocações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2006. 

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