Em alguns dos seus textos, o jornalista Ricardo Melo tem captado melhor as movimentações da conjuntura política do que determinados analistas sociais e "blogueiros progressistas". A última lorota destes últimos, dentre outras que aqui tenho referido, é a de que o recesso parlamentar esfriará a crise política. Em artigo na Folha de São Paulo, Ricardo Melo foi lapidar a esse respeito: 'Conspiração não entra em recesso'. A conferir.
Por Ricardo Melo
A Folha (14/07) noticiou um fato da
maior gravidade. Na residência oficial da Presidência da Câmara dos Deputados,
o chefe da Casa, Eduardo Cunha, dividiu o "breakfast" com o ministro
do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o impagável Paulinho da Força, do
partido Solidariedade. Além de guloseimas habituais, constou do cardápio nada
menos que o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Boquirroto como sempre, Gilmar confirmou o debate
sobre o assunto. "Ele [Cunha] falou dos problemas de impeachment, esses
cenários todos". Perguntados pela reportagem, Paulinho da Força e o
presidente da Câmara tergiversaram, sem convencer. O texto afirma que o
deputado do Solidariedade especulou que a derrubada da presidente (pois é disso
que se trata) supõe um acordo entre Eduardo Cunha, o vice Michel Temer, Renan
Calheiros, chefe do Senado, e o presidente do PSDB, Aécio Neves.
Se isto não é conspiração, é bom tirar a palavra do
dicionário. Que diabo pode representar a reunião entre o terceiro nome da linha
de sucessão do Planalto, um ministro da mais alta corte da Justiça e um
parlamentar adversário obsessivo do governo –os três para discutir a deposição
de uma presidente eleita?
A qualidade dos interlocutores dissipa dúvidas. A
capivara é geral. O presidente da Câmara, de currículo mais do que suspeito,
foi acusado de embolsar milhões de dólares em negociatas. O ministro Gilmar,
dono de um prontuário de atitudes controversas, é conhecido por travar o fim do
financiamento empresarial nas eleições.
A presença de Paulinho da Força mostra-se tão
exótica quanto reveladora. Exótica porque se desconhece, pelo menos em público,
qual credencial do insignificante Solidariedade para participar no colóquio. A
contribuição mais relevante da legenda vem sendo a de responder
"impeachment" a qualquer questão do cenário político.
Reveladora quando se sabe que o ex-sindicalista
protagoniza vários processos e membros do seu grupo estão enrolados até o pescoço
na Lava Jato. Detalhe: o partido destacou-se como o único a soltar nota de
solidariedade, sem trocadilho, ao pronunciamento destemperado de Eduardo Cunha
após ser acusado de beneficiário da corrupção. Nem a legenda dele, PMDB,
atreveu-se a tanto.
Nesse clima, nenhum recesso parlamentar coloca
tropas em descanso. A coisa é bem maior. Na verdade, a conspiração sempre
prefere trabalhar à sorrelfa. Limites constitucionais, veleidades jurídicas e
direitos elementares mais atrapalham do que ajudam num cenário de vale tudo.
As denúncias contra o ex-presidente Lula trazem
novo exemplo. Vão das baixarias das "nove digitais" esgrimidas num
documento tucano até acusações de... ajudar a expandir negócios do Brasil no
exterior quando já havia deixado o cargo público! Por causa disso, Lula virou
alvo de ação estimulada por um procurador notório pela campanha nas redes
sociais contra o PT; e por outro que tem mais de 200 ocorrências de negligência
no exercício da função. Já a fundamentação judicial nem zero tiraria em redação
de vestibular.
Quem vai assumir a responsabilidade por tanta
irresponsabilidade? A sensação é a de um conjunto de forças sem liderança. Sua
única bandeira parece ser Delenda est PT. Em torno dela, cada um opera a seu
bel prazer –Sergio Moro, Rodrigo Janot, procuradores excitados, Polícia Federal
desgovernada, parlamentares paroquiais– tudo isso diante de um governo entre
atônito e preocupado, mas sem iniciativa face à degradação das condições de
vida da maioria. Cabe lembrar: nem sempre do caos nasce a ordem.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/226734-conspiracao-nao-entra-em-recesso.shtml
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