segunda-feira, 27 de julho de 2015

As aspirações de cada um: sobre metas e empenho

Por Vandeck Santiago 

Conta-se que ao fim de um concerto um grande pianista ouviu de uma fã: “Eu daria minha vida para tocar como o senhor”. E ele: “Eu dei a minha, senhora, eu dei a minha…” Na forma como a nossa sociedade é estruturada, a gente só vê o clímax da conquista, o momento exuberante em que o artista ou o atleta exibe toda sua maestria. Mas até chegar àquele momento anos e anos se passaram de um esforço diário e anônimo.
Rogério Ceni, por exemplo, é o goleiro que mais fez gols em toda a história do futebol. Chegou a esta marca cobrando faltas e pênaltis. O que poucos sabem é que, antes de começar a fazer as cobranças, ele treinou 15 mil faltas. Batia de 2.500 a 3 mil por mês.
Carlos Saldanha hoje é um cineasta de animação reconhecido, daqueles que a indústria cinematográfica norte-americana permite trabalhar com filme de orçamento de 100 milhões de dólares. Dirigiu A Era do Gelo e Rio. Lendo esta informação somos levados a pensar: “Ah, esse cara devia ser fera em computação e desenho desde cedo”. Aí vejam o que ele diz em toda entrevista que lhe perguntam sobre isso: “Nunca fui o melhor em nada. Não era o que desenhava melhor nem o que entendia mais de computação, mas talvez eu fosse o que mais queria estar ali”.
Aos 20 anos, Saldanha – que é carioca – juntou tudo o que tinha e foi fazer um curso em escola de artes visuais de Nova York. Muitos dos alunos nem compareciam às aulas. Ele ficava lá dia e noite. Aproveitou para fazer várias produções sozinho, embora isso não fizesse parte do currículo. 
Sabem todos que um dia almejaram algo difícil e chegaram lá que fora do esforço não há salvação. O dom de ser capaz de fazer algo em um nível acima dos outros vem acompanhado – sempre – da obrigação de também esforçar-se mais que os outros.
Aos cinco, seis anos, um enxadrista genial, um pianista genial, um matemático genial já era capaz de surpreender todos com sua habilidade. Mas se esta genialidade que surge tão cedo não é cultivada com horas e horas de estudo e treino, torna-se anos depois apenas uma lembrança doída. 
O pianista Oscar Peterson (1925-2007) foi considerado um dos maiores de todos os tempos. Aos cinco anos ele já estudava com o seu pai. Para desenvolver seu talento, estudava oito horas por dia. Por que tanto? “Se num dia eu treinar sete horas”, respondia Peterson, “no outro dia terá alguém tocando melhor”.
O esforço como meio para atingir objetivos vale para quem nasce com algum talento extraordinário e também para o restante. Uma teoria desenvolvida pelo psicólogo K. Anders Ericsson, em 1993, e popularizada pelo jornalista Malcolm Galdwel no livro Fora de Série - Outliers (Sextante, 2008), diz que para você atingir um nível de excelência em qualquer atividade são necessárias pelo menos 10 mil horas de prática. Ou três horas por dia, durante 10 anos. Às vezes quem se compromete com um esforço obstinado acaba até superando outros que têm muito mais talento mas não se dedicam. George Leonard, no livro Maestria (Cultrix, 1998) conta que fez uma série de entrevistas para a Esquire com atletas de ponta em diversos esportes e a maioria “colocou o trabalho árduo e a experiência acima do talento puro”.
Se você, leitor, teve a generosidade de me acompanhar até aqui permita-me dizer-lhe que tudo isso é só para ressaltar o exemplo da nadadora pernambucana Joanna Maranhão. Na Olimpíada de Atenas em 2004 ela nadou a final de sua prova preferida, os 400m medley, com um tempo de 4m40s. Ficou na quinta colocação; até hoje o melhor resultado para uma nadadora brasileira. Joanna tinha 17 anos. Nos anos seguintes ela nunca mais conseguiu superar aquele tempo, nem igualá-lo. Uma marca que era extraordinária transformou-se numa barreira intransponível que afetou psicologicamente a nadadora. Sofreu uma síndrome do pânico antes de disputar uma prova. Teve um mal súbito na Olimpíada de 2012, em Londres, e não disputou. Decidiu aposentar-se das competições em janeiro de 2014. Aos 26 anos encerrava precocemente sua carreira, como a maior nadadora da história do Brasil. Durante cerca de 10 anos ela dominara as provas de 400m medley e 200m no país, além de conquistas também em outras modalidades da natação (800m livre, 200m borboleta e 200m costas). Mas cerca de seis meses depois da aposentadoria anunciada, ela voltou a nadar. E no dia 16 de julho passado conseguiu superar a marca de 2004 nos 400m medley: terminou a prova com 4m38s07, e levou a medalha de bronze. Farei a conta pra vocês: a superação demorou 11 anos para acontecer. E foi por menos de dois segundos. Joanna tem hoje 28 anos.
Nas entrevistas logo após a disputa, vimos sua alegria: “Nunca fui tão feliz”. Ela conquistou ainda duas outras medalhas: bronze nos 200m borboleta e prata na equipe de revezamento 4x200m. Fiquei pensando no que deve ter sido sua luta diária e anônima, esses anos todos, enfrentando cobranças, pressões, frustrações, o medo de nunca mais ser beijada pelo sucesso. O talento precoce que não conseguia superar a si mesma. Como deve ter sofrido esta menina… Como deve ter se esforçado… Por tudo isso, sua conquista é o resultado mais inspirador desses Jogos Pan-Americanos de 2015.
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Fonte: Diário de Pernambuco, edição do dia 26/07/2015. 

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