Por Vladimir Saflatle
Uma das armas mais perversas do poder é levar
os sujeitos a se verem como impotentes e incapazes de operar grandes
transformações. O poder age deprimindo-nos, ou seja, levando-nos a crer que não
temos força, que as causas de nosso sofrimento social são demasiado complexas
para termos o disparate de querer mudar o rumo dos acontecimentos.
Durante a semana
passada, o mundo observou o espetáculo patético de tecnocratas europeus e
chefes de governo de grandes países tentando inocular no povo grego o medo em
relação à sua própria força de decisão. Isto quando não apelavam a um discurso
moral rasteiro digno de caixeiro viajante de província e composto de pérolas
como: "Se deve, tem que pagar", "vocês aproveitaram dinheiro
fácil, gastaram mais do que tinham". Como se a crise grega fosse uma
invenção exclusivamente grega. Como se outros países como Espanha, Portugal,
Itália, Irlanda não estivessem em crise devido ao assalto que o sistema
financeiro internacional fez aos cofres da União Europeia, levando-a a gastar
mais de um trilhão de euros no salvamento de bancos privados podres e
fragilizando as economias mais vulneráveis da região.
Tais arautos da
hipocrisia já tinham feito a mesma coisa com a Islândia, quando seu povo votou
por não pagar a dívida de seus bancos privados. Os mesmos
"especialistas" pagos com consultorias para bancos foram à imprensa
internacional dizer que a Islândia viraria um pária internacional. Bem, nada do
que eles disseram aconteceu. Hoje, a Islândia é uma economia próspera e sem
crise.
O impressionante em
toda esta pantomima é que, em momento algum, os tecnocratas da Troika reconheceram
seus erros, seu papel de médico medieval que, mesmo com o paciente moribundo,
continua a aplicar o mesmo remédio. Quem, com o mínimo de racionalidade,
conseguiria explicar como foi possível emprestar 130 bilhões de euros à Grécia
e, ao final de cinco anos, 25% do seu PIB ter encolhido, um terço da população
estar abaixo da linha de pobreza e 60% dos jovens estarem desempregados? Tudo
isto demonstra o tipo de ignorância que procura nos governar.
Contra tudo isto, o
povo grego disse "não". Pois eles têm um governo que sabe como a
política é a definição clara do inegociável, do que não estamos dispostos a
negociar. Um governo que mostrou como a força popular é a maior arma contra a
arrogância destrutiva da tecnocracia. Dizem que a Grécia saltou no desconhecido.
Mas o desconhecido só é ameaçador para aqueles que têm medo. Desde Ulisses, os
gregos sabem que a verdadeira vida, esta que vence desafios e cria, é uma vida
sem medo.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/225280-aquele-que-diz-quotnaoquot.shtml
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