terça-feira, 7 de julho de 2015

'O desconhecido só é ameaçador para quem não tem coragem'


Por Vladimir Saflatle

Uma das armas mais perversas do poder é levar os sujeitos a se verem como impotentes e incapazes de operar grandes transformações. O poder age deprimindo-nos, ou seja, levando-nos a crer que não temos força, que as causas de nosso sofrimento social são demasiado complexas para termos o disparate de querer mudar o rumo dos acontecimentos.
Durante a semana passada, o mundo observou o espetáculo patético de tecnocratas europeus e chefes de governo de grandes países tentando inocular no povo grego o medo em relação à sua própria força de decisão. Isto quando não apelavam a um discurso moral rasteiro digno de caixeiro viajante de província e composto de pérolas como: "Se deve, tem que pagar", "vocês aproveitaram dinheiro fácil, gastaram mais do que tinham". Como se a crise grega fosse uma invenção exclusivamente grega. Como se outros países como Espanha, Portugal, Itália, Irlanda não estivessem em crise devido ao assalto que o sistema financeiro internacional fez aos cofres da União Europeia, levando-a a gastar mais de um trilhão de euros no salvamento de bancos privados podres e fragilizando as economias mais vulneráveis da região.
Tais arautos da hipocrisia já tinham feito a mesma coisa com a Islândia, quando seu povo votou por não pagar a dívida de seus bancos privados. Os mesmos "especialistas" pagos com consultorias para bancos foram à imprensa internacional dizer que a Islândia viraria um pária internacional. Bem, nada do que eles disseram aconteceu. Hoje, a Islândia é uma economia próspera e sem crise.
O impressionante em toda esta pantomima é que, em momento algum, os tecnocratas da Troika reconheceram seus erros, seu papel de médico medieval que, mesmo com o paciente moribundo, continua a aplicar o mesmo remédio. Quem, com o mínimo de racionalidade, conseguiria explicar como foi possível emprestar 130 bilhões de euros à Grécia e, ao final de cinco anos, 25% do seu PIB ter encolhido, um terço da população estar abaixo da linha de pobreza e 60% dos jovens estarem desempregados? Tudo isto demonstra o tipo de ignorância que procura nos governar.
Contra tudo isto, o povo grego disse "não". Pois eles têm um governo que sabe como a política é a definição clara do inegociável, do que não estamos dispostos a negociar. Um governo que mostrou como a força popular é a maior arma contra a arrogância destrutiva da tecnocracia. Dizem que a Grécia saltou no desconhecido. Mas o desconhecido só é ameaçador para aqueles que têm medo. Desde Ulisses, os gregos sabem que a verdadeira vida, esta que vence desafios e cria, é uma vida sem medo.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/225280-aquele-que-diz-quotnaoquot.shtml


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