David Linden é Professor de Neurociência da The Johns Hopkins University School of Medicine, nos Estados Unidos, e tem se dedicado a uma singular pesquisa sobre o prazer, cujos resultados se encontram em trabalhos como The Accidental Mind: How Brain Evolution Has Given Us Love, Memory, Dreams, and God e The Compass of Pleasure. Este último está publicado no Brasil (Editora Elsevier), sob o título 'A Origem do Prazer: Como Nosso Cérebro Transforma Nossos Vícios (e Virtudes) em Experiências Prazerosas'. Como todo livro traduzido, está propenso a incongruências, no caso, a um 'excesso de obliquidade', a começar pelo próprio título. Contudo, no básico, as teses do autor estão preservadas. Vale a leitura, que, diga-se de passagem, graças ao estilo de escrita de Liden, é coisa para ser feita de um 'só fôlego', como costuma afirmar o meu amigo Alder Júlio. Transcrevo aí abaixo um extrato das palavras inciais do autor, como prólogo à obra.
Bangcoc, 1989. As chuvas vespertinas deram uma trégua, deixando o ar do fim de tarde livre do smog e permitindo que o perfume tailandês característico, oleandro com leve toque de esgoto, paire sobre as ruas úmidas. Aceno a um tuk-tuk [espécie de mototáxi de três todas], e embarco. Meu jovem motorista tem um sorriso empreendedor e se vira para dar dar início ao interrogatório-padrão voltado aos passageiros do sexo masculino.
"Então... você quer garota?"
"Não."
"Sei..." Longa pausa, sobrancelhas ligeiramente levantadas. "Você quer garotos!"
"Ahh... não"
Pausa mais longa. Ruído do motor crepitante. "Você quer garota-homem?"
"Não", respondo, de modo um pouco mais incisivo, desconcertado com a possibilidade de dar a impressão de desejar essa commodity particular.
"Quer cigarros baratos... Johnnie Walker..."
"Não, obrigado."
Sem se abalar, ele passa para a próxima categoria de ofertas, agora com a voz mais baixa.
"Quer ganja?"
"Não."
"Coca?"
"Não."
Ya baa [metanfetamina]?"
"Não."
Agora sussurrando: "Heroína?"
"Não".
A voz volta ao volume normal: "Posso levá-lo a uma briga de galos. Você pode apostar!"
"Vou deixar para a próxima."
Um pouco irritado: "Então, farang, o que você quer?"
"Pring kee noo", eu respondo. "Aquelas pimentinhas. Quero um bom e apimentado jantar".
Não fico surpreso ao ver a expressão decepcionada do meu motorista. Enquanto ziguezagueamos pelas ruas a caminho de um restaurante, passando rapidamente por cima de poças d'água, eu me pergunto: Além dos vários matizes de ilegalidade, o que todas essas ofertas têm em comum?
Nós, seres humanos, temos uma relação complicada e vacilante com o prazer. Um motivador fundamental da nossa vida, o prazer é essencial para o aprendizado, já que devemos considerar gratificantes coisas como comida, água e sexo para sobreviver e transmitir nosso material genético. Determinadas formas de prazer recebem um status especial. Muitos dos nossos rituais, envolvendo música, dança e meditação, produzem uma espécie de prazer transcendente que se enraizou profundamente na prática cultural humana (págs. 1-2).
Eita, deu vontade de voltar a ler mais literatura. É bom deixar a imaginação viajar nos diálogos dos personagens. A literatura é um campo rico de sentidos e significados. Valeu a dica
ResponderExcluirRealmente, caríssimo. A literatura tem esse potencial.
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