Por Salem
H. Nasser
(Professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas)
Muitos
dos males deste mundo começam quando o Ocidente resolve invadir algum país. Um
ato terrorista é muitas vezes a desuclpa tida por apropriada, e conveniente.
Conta-se que, imediatamente após os ataques
de 11 de Setembro, George W. Bush quis atacar o Iraque. Foi então lembrado, ou
informado, de que não haveria como conectar convincentemente o fato e o país.
Já com o Afeganistão a coisa era diferente e este foi invadido primeiro.
Mas não esqueceram o Iraque. Acusado de
buscar obter armas de destruição em massa e também de apoiar o terrorismo, o
país ganhou de presente a mudança de regime e a promessa de democracia que as
bombas americanas carregariam.
A ocupação atraiu para o Iraque um
contingente cada vez maior de islamistas radicalizados vindos engrossar as
fileiras da insurgência. Entre outros, consolidou-se ali a chamada Al Qaeda no
Iraque. Muitos elementos das forças armadas iraquianas desmobilizadas pelos americanos
se juntaram ao grupo.
Em 2011, com a revolta síria em curso, a Al
Qaeda no Iraque cruzou a fronteira, passou a se chamar Estado Islâmico no
Iraque e no Levante e a combater as forças do governo ao lado de outros grupos
de mesma inspiração radical e violenta.
O Estado Islâmico, o nome agora encurtado,
indicando que já não pretendia circunscrever sua ação àquela região do mundo,
tornou-se rapidamente o mais bem-sucedido grupo combatente no campo da chamada
oposição, o mais espetacularmente violento, o mais hábil na manipulação da
mídia e no recrutamento de novos combatentes, muitos vindos de países
ocidentais.
Esse mesmo Estado Islâmico reivindicou a
autoria dos ataques em Paris e é apenas por causa desses ataques que agora
alguém conceberia uma invasão terrestre, improvável antes de 13 de novembro.
A lógica da coisa seria mais ou menos esta:
os ataques teriam evidenciado a necessidade de derrotar esse grupo terrorista;
os bombardeios aéreos não bastam a esse fim; se não se quer contar com as
forças governamentais e seus aliados para empreender a luta em solo, seria
então necessário colocar botas no chão.
O Ocidente intervém na crise síria desde o
seu primeiro momento. E não me refiro aos bombardeios aéreos. As revoltas na
Síria foram percebidas pelo Ocidente, assim que eclodiram, como uma
oportunidade única de derrubar o regime. As justificativas oficiais são as
nossas já conhecidas: exportar a democracia e combater o terrorismo que certos
países patrocinariam.
A verdadeira razão, no entanto, era a vontade
de mudar o alinhamento político da Síria no jogo regional e mudar o equilíbrio
de forças, na região e no mundo.
Em nome desse objetivo, o Ocidente permitiu
que o Estado Islâmico e outros grupos perigosos se fortalecessem, avançassem na
conquista de territórios e continuassem a arregimentar seguidores.
Na esperança de derrubar o governo sírio, o
Ocidente pareceu gozar um sono profundo que não lhe permitia enxergar o perigo.
Só acordou quando o Estado Islâmico chegou às portas do Curdistão iraquiano,
mas ainda assim só foi capaz de montar uma coalizão que empreende uma guerra de
faz de conta, lançando aqui e ali um ataque aéreo.
Antes de conceber a invasão terrestre é
preciso realmente querer derrotar o Estado Islâmico. E, se a vontade for real,
pode-se começar por coisas mais simples como impedir que lhe cheguem fundos,
armas e combatentes; que sejam fechados seus campos de treinamento; que se
troque informações com os russos e com os sírios; e, sobretudo, que se busque
honestamente uma solução política que ponha fim ao banho de sangue.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 28/11/2015.
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