Por João Joc
Todos
os dias pela manhã o menino Yksvokrat sobe em seu ônibus espacial rumo aos
aglomerados. Parece absurdo, caro leitor, mas não tão absurdo quanto à
procrastinação e o cansaço que acomete nosso herói. O menino Yksvokrat sempre
sonhou mesmo em ser o que alguns chamam de taikonauta. Aos nove
anos já havia chegado à Lua, dobrou pelas avenidas rumo à Fobos, em Marte, e
ainda daria uma parada em alguma estrela singular. Sim, é demasiadamente
inverossímil que o menino Krat - bom sujeito dos descampados -, hoje com quase
quarenta de idade, ainda continue a observar as cadentes bolas de fogo
esculpindo as bochechas das nuvens.
O
sr. Yksvokrat, subindo na primeira locomotiva da manhã chuvosa, tentando,
pasmem!, fugir do trânsito dos meteoritos, era ironicamente dramático. Dizia, para os amigos, que o seu chefe era de uma região desconhecida de fora da
galáxia e que não queria contrariá-lo, chagando atrasado todos os dias.
O
café era o primeiro exercício matinal. Os funcionários iam para uma sala
bastante iluminada, desligavam os mecanismos antigravitacionais e provavam do
gosto escuro do espaço e da ausência da terra. Alguns olhavam ainda pela
janela. Aquele globo grisalho, um ponto minúsculo inexorável…
-
Sobre o que pensas? Pergunta a jovem moça anêmica que ainda chorava - às
escondidas - nas capsulas da periferia do grande bloco de galerias que compunha
a Instituição. Chorava por sentir falta do pai falecido há décadas.
Yksvokrat, há tempos, não tinha contato com nem um de seus colegas. Ele só queria terminar
as horas do dia saboreando suas fotografias tiradas de dentro dos planetas
coloridos do mundo mágico. Escrever seus versos sem gravidade e sentir o chão
dos seus próprios pés. Nestes dias - especialmente - desejava ferozmente soltar-se
de volta, sem ripcord, sem máscara. Passaria despercebido pela escotilha e, no
primeiro cometa, agarraria sua cauda em lúdico plasma e fuga dimensional -
queimaria suas mãos, quiçá seus cabelos cinzentos, todavia, percorreria o
demasiado corrimão da densa iluminação onírica.
Seu
destino? Não sabemos. A não tergiversação pode ter um preço febrento, uma
lacuna intempestiva. Um sussurro ouvido à anos luz...
Yksvokrat
apenas balançou a cabeça negativamente. Lentamente, isolando o olhar num ponto
fixo no espaço...
–
Sobre o nada, apenas uma epifania. Disse para a moça que se afastou, sem graça.
–
Bom, vamos trabalhar. Disse Yksvokrat, para si mesmo, voltando para o seu
escrínio.
O
dia seguiu sem mais incidentes. Apenas em turbulentas colisões onipresentes no
intermitante âmago da afasia cotidiana.
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Fonte: http://lounge.obviousmag.org/
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