segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Educação, aprendizagem e fator socioeconômico

Do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND)/UFMG

Estudos relacionados à aprendizagem são cada dia mais comuns no campo da Psicologia e das neurociências, tanto com o objetivo de entender os processos cerebrais envolvidos, quanto para verificar os fatores que influenciam e fazem com que o processo da aprendizagem seja tão diverso de indivíduo para indivíduo. Esse entendimento é de extrema importância para o conhecimento acadêmico e também para o desenvolvimento de políticas públicas que proporcionem melhor qualidade de ensino e facilite o aprendizado para todos. Nesse texto, será trabalhada a relação do desenvolvimento cognitivo e os fatores ambientais que podem estar correlacionados a esse aspecto, focando principalmente na correlação com o nível socioeconômico (NSE).
A aprendizagem pode estar associada a dois fatores, o genético e o ambiental. No fator genético, pode-se inserir a influência de questões hereditárias, como a inteligência, e características da própria pessoa, como memória. Já o fator ambiental está relacionado aos estímulos externos à pessoa e aspectos sociais, como por exemplo, o NSE. A definição do NSE ainda não está bem delimitada. Questões como a maneira mais adequada para medir o NSE e os pontos econômicos e sociais mais relevantes não possuem um consenso universal entre os pesquisadores; as análises variam de estudo para estudo. Apesar de algumas divergências, a maioria aborda aspectos como escolaridade, condição e atividade laboral, o prestígio no trabalho e renda familiar. No Brasil, a análise do nível socioeconômico é feita principalmente pelo questionário “Critério Brasil” (disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil), que aborda alguns dos aspectos citados anteriormente, como escolaridade dos pais, a renda familiar e a posse de alguns bens materiais.
Apesar do nível socioeconômico não ser uma variável tão bem definida, ela possui uma relação direta com a aprendizagem. Para avaliar essa correlação é preciso considerar outro fator relevante, a idade. Segundo um estudo realizado nos Estados Unidos, a influência da classe social na aprendizagem varia de acordo com a idade, principalmente das crianças. A influência do ambiente no desenvolvimento cognitivo é diretamente proporcional à idade, logo, quanto mais velha a pessoa, maior a influência ambiental/social e menor a genética. A partir de um estudo realizado por Maciej Trzaskowski (2014), com 11000 gêmeos, foi possível perceber que há uma correlação entre a genética e o desempenho cognitivo de 0,6, isso significa que a hereditariedade exerce uma influência muito grande sobre o aprendizado da criança. Além disso, o estudo mostrou que essa relação vai diminuindo com o tempo. Aos 7 anos de idade, a correlação é de 94%, já aos 12 anos de idade essa proporção passa a ser de 54%, havendo assim uma influência maior do ambiente, principalmente do ambiente não compartilhado (ambiente escolar, grupo de amigos).De maneira geral, independente da idade, é possível observar a relação entre o NSE e a aprendizagem, principalmente da matemática e da leitura/escrita. Crianças que pertencem a uma classe econômica superior possuem maior facilidade na aquisição desses conhecimentos. Ainda não foi encontrado uma causa para essa diferença entre classes, contudo, pode-se supor que isso ocorre devido ao meio em que a criança se encontra. Entre os diversos níveis sociais há uma grande diferença na quantidade de estímulos presentes no ambiente familiar, o que pode contribuir para um desenvolvimento mais rápido de crianças de NSE mais alto, já que tendem a ter contato com maior quantidade de livros, brinquedos educativos, e também maior incentivo por parte dos pais. Além disso, as pessoas dessa classe social proporcionam acesso mais cedo à educação e também investem mais nessa área por meio de instituições de ensino, como creches e escolas de boa qualidade.
Outra diferença encontrada entre crianças de níveis socioeconômicos distintos são as regiões de ativação cerebral. Uma pesquisa realizada com 1099 indivíduos com desenvolvimento típico, entre 3 a 20 anos de idade, utilizou a técnica de imagem funcional por ressonância magnética (fMRI) (Noble et al., 2015). A partir das observações feitas, foi possível concluir que há diferença nas regiões de ativação cerebral das crianças de diferentes NSE. Nesse estudo foi possível perceber que crianças de nível econômico mais alto possuem a ativação em regiões mais homogênea e concentrada, ou seja, as ativações aconteceram em regiões menos dispersas. Também foi possível observar que as ativações ocorreram em regiões parecidas entre crianças de mesma classe. Em crianças pertencentes a classes socioeconômicas mais baixas, as ativações ocorreram de maneira mais dispersa, espalhadas por diversas áreas do córtex, logo, a ativação cerebral nessas crianças não era tão específica e localizada e havia uma grande variabilidade de ativação entre os sujeitos deste grupo. Apesar da variação das regiões de ativação cerebral entre as crianças de diferentes níveis sociais, não é possível afirmar que todos os processos cerebrais sofrem influência desse fator. Pesquisas realizadas apontam que existem áreas específicas do domínio cognitivo que sofrem influência do NSE. Foram encontradas correlações significativas apenas entre os processos da linguagem, como consciência fonológica e alguns dos processos das funções executivas. 
Ainda existem muitas questões a serem abordadas e estudadas. Em relação ao NSE ainda permanece uma questão que dificilmente vai obter uma resposta objetiva e única: “Será que o desempenho cognitivo da pessoa vai ser determinante para designar em qual nível econômico essa pessoa vai se encaixar? Ou o nível socioeconômico da criança vai influenciar a maneira como o desenvolvimento cognitivo vai acontecer?” Encontrar respostas para essas perguntas é uma tarefa extremamente complicada, pois assim como a pergunta “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”, não é possível separar essas duas questões. Contudo, se fosse possível encontrar o que causa o que, ajudaria a compreender mais profundamente o funcionamento da cognição humana e a determinar quais fatores são os mais influentes nesse processo. Mesmo sem essas soluções, o estudo da correlação entre o NSE e a aprendizagem é de suma importância para diversas áreas do conhecimento, como a Psicologia, Neurociência e a Pedagogia. Além dessas áreas de conhecimento, é possível identificar a relevância disso para a sociedade e principalmente para a elaboração de políticas públicas que visem o desenvolvimento social e de práticas educacionais que possam suprir a diferença econômica e social das crianças de classes mais baixas.

REFERÊNCIAS:
ALVES, M. T. G., Soares, J. F., MEDIDAS DE NÍVEL SOCIOECONÔMICO EM PESQUISAS SOCIAIS: UMA APLICAÇÃO AOS DADOS DE UMA PESQUISA EDUCACIONAL. Opinião Pública, Campinas,  p.1-30, v. 15, nº 1, Junho, 2009
CARO, D. H, SOCIO ECONOMIC STATUS AND ACADEMIC ACHIEVEMENT TRAJECTORIES FROM CHILDHOOD TO ADOLESCENCE, Canadian Journal of Education, p. 558-590, 2009
HERNANDEZ, M., THE RELATIONSHIP BETWEEN MATHEMATICS ACHIEVEMENT AND SOCIO-ECONOMIC STATUS,  Florida International University and Palm Beach State College Spring, 2014
NOBLE, K. G., et al, FAMILY INCOME, PARENTAL EDUCATION AND BRAIN STRUCTURE IN CHILDREN AND ADOLESCENTS. Nature Neuroscience, v.18, nº 5, may 2015
TRZASKOWSKI, M., Harlaar, N., Arden, R., Krapohl, E., Rimfeld, K., McMillan, A.,  Dale, P. S., Plomin, R.,GENETIC INFLUENCE ON FAMILY SOCIOECONOMIC STATUS AND CHILDREN’S INTELLIGENCE. Intelligence 42, p. 83–88, 2014
TUCKER-DROB, E. M., Harden, K. P., LEARNING MOTIVATION MEDIATES GENE-BY-SOCIOECONOMIC STATUS INTERACTION ON MATHEMATICS ACHIEVEMENT IN EARLY CHILDHOOD, Learning and Individual Differences, p. 37–45, 2012

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