sábado, 14 de novembro de 2015

Raízes da violência: entre a história e a 'cegueira das ideologias'


Das cegueiras em que as pessoas não perderam a visão, a das ideologias talvez seja uma das mais nefastas. Não enxergar alguma coisa porque, por exemplo, não se é alfabetizado, não se aprendeu a ler, é algo que pode ser inscrito nos quadros da lógica do compreensível. Contudo, as 'cegueiras das ideologias' não são fenômenos de fácil compreensão racional, se é que isso é possível. Cegueiras de ideologias políticas (de direita, de esquerda) e de religião são típicas daquela situação em que, como alguém já disse, a pessoa acha que tem as ideias, mas, na verdade, são as ideias que têm a pessoa. Estamos, todos, estupefatos com mais uma deplorável ação terrorista, a segunda este ano em França. Mas a imprensa brasileira, salvo raríssimas exceções, "come poeria" na abordagem do assunto, fazendo uma cobertura sofrível, por vezes, com equívocos de informação histórica que um bom estudante no início do curso de história não os comete. A imprensa francesa (falo de veículos como a TV Cinq Monde, que acompanho), mesmo no epicentro do furacão, consegue manter o tom jornalístico. De modo geral, todavia, falta algo na análise causal dos atentados: a cegueira da ideologia religiosa - ou, noutros termos, como disse José Saramago, a influência do 'Fator Deus' (texto já postado neste blog). Desde que o mundo é mundo, desde que o ser humano se julgou porta-voz de uma "verdade divina", tragédias têm sido cometidas em nome dessa "verdade". Na colonização do continente americano, a ação dos espanhóis ficou conhecida como 'a Colonização da Cruz e da Espada': a ação de conquista, decepando cabeças ameríndias, vinha coligada com a reza dos padres, exibindo a cruz, para converter os nativos sobreviventes ao cristianismo. Tragédia sobre tragédia. Na Idade Média, também para promover o cristianismo, a Igreja Católica torrava corpos nas fogueiras da inquisição, "para libertar as almas do pecado". E não falemos das Cruzadas (a guerra cristã contra 'os infiéis do Oriente', que agora se voltam contra o Ocidente, e tem-se a brutalidade do Estado Islâmico). Não se subestime o que a cegueira da ideologia religiosa pode produzir! Sobretudo quando, historicamente e na atualidade, países da órbita islâmica continuam a ser invadidos, presidentes seus derrubados e assassinados. Depois figuras como Tony Blair (que junto como Bush et caterva invadiram o Iraque) aparecem para dizer 'desculpem lá, a guerra contra o Iraque foi um erro'. Assim, na lata, depois de o conflito resultar em mais de meio milhão de civis mortos, e também (paradoxo dos paradoxos) ter contribuído para a estruturação do Estado Islâmico. Da minha parte, as religiões devem ser respeitadas, inclusive para que se tenha o direito de não se ter nenhuma. O trágico e inaceitável delas é quando os 'seus crentes' não as deixam no espaço privado, e querem fazê-las reinar na esfera pública, bem como quando a cegueira da ideologia lhes tira o senso de proporção. O problema é que, como repisa uma frase que cai no gosto dos agnósticos, 'acreditar é mais fácil do que pensar; daí existirem muito mais crentes do que pensantes'. 


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