Por Leont Etiel
Quem
abraça o mundo, não se pode esconder da vida. Escuta o movimento do vento e dele
recolhe alento para as dores grandes e pequenas, as tristezas e sofrimentos que
pedem pausa. Nas mais duras circunstâncias, costuma ser a ele que se tem. O
vento. O seu suave sopro ao nascer do dia, o calmo soar noturno acompanhado pelo
barulho das ondas oceânicas. É mais previsível do que a imprevisibilidade de
muitas pessoas. Depois do vento, o que resta é a descida à terra dura. Desde os
tempos imemoriais.
Falando
do encantamento da luz dos olhos, Lady Edna St. Vincent Millay lamenta que esse
seja o destino dos corações amantes. Eu não concordo com a descida dos corações
à terra dura, diz ela. Mas, reconhece, assim será, é e foi desde sempre: eles
seguem pelo desconhecido, os sábios e os belos. Coroados de lilases, eles
partem, mas eu não me conformo, insiste a Lady, e prossegue: amantes e
pensadores, contigo, dentro da terra, transformados na poeira morna e cega. Um
fragmento do que tu sentias, daquilo que tu sabias, uma fórmula, uma frase
apenas restou – mas o melhor está perdido. As respostas rápidas e vidas, o olhar honesto,
o amor – estes partiram. Partiram para alimentar rosas. Os botões serão meigos,
elegantes e perfumados. Eu sei, admite ela, voltando a dizer da sua
insatisfação: mas não aprovo. Mais preciosa era a luz dos teus olhos do que
todas as rosas do mundo. Fundo, fundo, fundo na escuridão da cova, docemente,
os belos, os ternos, os espirituais, todos, e todos os outros não ditos, descem.
Cego
mesmo é quem enxerga sem perceber os ventos da vida. E não se dá conta dos seus
desvios, dos caminhos feitos e refeitos, das curvas do tempo, que vão longe para
chegar ao lugar que está consigo próprio, dentro de si. No cerne de quem diz, no espelho-vento
reflexo. Se o abraço no mundo refuta ‘o se esconder da vida’, é de se navegar
nos sentimentos que lhe atam e desatam. Foi assim que Nietzsche comoveu-se até às últimas lágrimas, ao ser tomado pela
ideia de eterno retorno, no caminho de Egadine. É assim que se efetiva, em
passos rápidos ou lentos, a existência.
Cada
um sabe de si. De dores e amores. De decepções. De certezas e incertezas. De
convicções e ilusões. De decisões postergadas. Da convivência moldada pela necessidade
de suportar o vivido. Mas, fazendo-se o resumo das contas, sobra o vento. Se
não senti-lo, depois só resta a terra dura.
Lady
Edna St. Vincent Millay insurge-se: Eu morrerei,
mas isso é tudo o que eu farei pela morte. Não vou segurar a rédea enquanto ela
ajusta as correias. Não lhe darei apoio. Embora me fustigue, não vou dizer
nada. Morrerei, mas isso é tudo que farei pela morte. A insurgência de Lady
Millay a conduz a um trem, oferecendo-nos um ticket de embarque: A
léguas de distância está a ferrovia. E o dia grita e fala sem parar, e bem não
há um trem que passa todo o dia, mas eu o ouço apitar. Bem não há esse trem que
a noite toda passa, e a noite dorme e vai sonhar em paz, mas vejo o céu
tingir-se em brasas e fumaça. E ouço o ofegar que ele faz. Meu coração se apraz
em boa companhia. E melhores amigos não terá. Mas não existe um trem no qual eu
não iria, aonde quer que ele vá. O vento. Quem abraça o mundo, não se pode esconder da
vida.
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