Aí abaixo, uma concisa e pertinente análise do Prof. Aldo Fornazieri sobre a democracia e o quadro político atual, a qual subscrevo ipsis litteris. Faz todo o sentido quando as abordagens são desenvolvidas com equilíbrio, distantes da hipocrisia de direita e do 'populismo de esquerda'. Por essa via caminha o métier do analista social.
Por Aldo Fornazieri
(Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo)
A
crise global da política, que é também uma crise da política global, tem vários
de seus aspectos relacionados à crise dos partidos. A crise afeta os partidos
de centro-direita, de centro e de centro esquerda. Nas bordas dessa crise, nos
últimos tempos, em alguns países, houve um crescimento de partidos de
extrema-direita e de esquerda radical. A própria Grécia é exemplar nesse
fenômeno: ao mesmo tempo em que o Syriza venceu três eleições consecutivas, a
extrema-direita do Aurora Dourada também cresceu. Isto ocorre, em maior ou
menor grau, também em outros países.
O
surgimento de Partidos-Movimentos, a exemplo do Syriza e do Podemos na Espanha,
foi saudada pela intelectualidade de esquerda como uma nova esperança de
organização política mais aberta, menos burocrática e mais propícia de
encaminhar uma luta política anti-sistêmica no plano global. Esses dois
partidos, no entanto, são também expressão dos limites que as novas
organizações de esquerda padecem. Com três vitórias eleitorais – uma no início
do ano, o referendo sobre o acordo da dívida e a nova eleição que reconduziu
Alexis Tsipras novamente à condição de primeiro-ministro –, o Syriza não
conseguiu fugir ao acordo atenuando, mas mesmo assim imposto pelo FMI, pelo
Banco Central Europeu e pela Alemanha. O Podemos está em processo de
desidratação eleitoral com a recuperação econômica da Espanha, que coloca o
conservador Partido Popular na liderança das intenções de votos, seguido pelo
tradicional PSOE, de centro-esquerda.
Os
Partidos-Movimentos foram vistos como organizações que saberiam combinar a
democracia representativa com a democracia direta em seu interior. Até agora,
esta esperança não se confirmou. Embora, de fato, tenham permitido uma maior
participação de militantes, através de reuniões abertas e de plataformas
participativas, tanto o Podemos quanto o Syriza não deixam de ser organizações
bastante centralizadas. Convém lembrar o vaticínio de Robert Michels, que
afirmou que o destino de todos os partidos é a burocratização, a centralização
e a oligarquização. O que se pode dizer até agora é que os Partidos-Movimentos
são rebentos ainda em formação da crise da esquerda tradicional, que foi
cooptada pelo sistema global e se corrompeu. Que tipo de alternativa eles
poderão constituir e se são viáveis ou não, são questões ainda abertas.
O
Fim do Monopólio Político e o Monopólio da Representação
Do
ponto de vista mais geral, a crise dos partidos se relaciona a dois fenômenos.
O primeiro diz respeito ao fato de que os partidos, tal como os sistemas
democráticos onde atuam, foram capturados pelo grande capital. Essa captura tem
vários aspectos, destacando-se: aumento do poder de barganha e de chantagem das
empresas em face dos trabalhadores, dos partidos e dos Estados por conta da
mobilidade do capital conferida pelas novas tecnologias; limitação do poder dos
governos em face do aumento do poder dos mercados; submissão dos partidos aos
ditames do capital através do sistema de financiamento privado-público, o que
os têm levado a uma autarquização e estatização crescentes.
Mas
um dos problemas mais relevantes para analisar a crise dos partidos, que é uma
crise de legitimidade junto aos eleitores por não se reconhecem nos eleitos,
diz respeito ao fim do monopólio do discurso político que eles sustentavam por
décadas. A perda do monopólio do discurso político se deve ao surgimento
daquilo que alguns especialistas chamam de democracia monitória: o surgimento
de milhares de instituições e organizações de natureza política, cultural,
social e econômica que monitoram e criticam o comportamento dos políticos, dos
partidos, dos governos e das instituições representativas. O monitoramento e as
críticas desnudam o caráter manipulador do sistema político, os seus equívocos,
a sua corrupção e a sua incompetência.
Com
isso, os partidos e o sistema político como um todo perdem legitimidade junto à
sociedade que, com frequência crescente, passa a assumir um discurso
antipolítico ou a votar nas novas agremiações de extrema direita e de esquerda
radical que fazem críticas duras aos partidos tradicionais. As redes sociais,
que deram voz ampliada a indivíduos e grupos, contribuíram para agravar a perda
do monopólio do discurso político.
Mas
há um paradoxo em tudo isto: porquanto os partidos e os políticos perderam o
monopólio do discurso político, eles mantêm o monopólio da representação
política legal nas democracias. As sociedades mantêm-se prisioneiras desse
paradoxo: por um lado, um profundo desencantamento com os partidos e a sua
rejeição e, por outro, ela [a sociedade], de alguma forma ou de outra, precisa
votar em atores e no sistema que rejeita.
Para
sair desse impasse, muitos estudiosos propõem a quebra do monopólio da
representação política dos partidos, permitindo que movimentos sociais e outros
agrupamentos possam lançar candidaturas avulsas, candidaturas não partidárias.
As candidaturas avulsas já são uma realidade em vários países e o argumento é
que elas exercem uma ação de moderação e de temperamento à conduta dos partidos
e dos políticos. Mas não existem ainda estudos significativos que mostrem os
impactos que elas exercem sobre os partidos. Nem mesmo se elas melhoraram o
sistema de representação, conferindo-lhe uma nova qualidade.
A
adoção de candidaturas avulsas, certamente é controversa e envolve riscos. Um
dos argumentos que se opõe a esta tese é o de que elas provocariam um
enfraquecimento ainda maior dos partidos políticos. O surgimento de
oportunistas e carreiristas e uma maior fragmentação do sistema político seriam
outros riscos. O fato é que todas essas mazelas estão aí sem a existência de
candidaturas avulsas. Se elas viessem a ser adotadas no Brasil, certamente,
requerer-se-ia uma regulamentação para evitar algumas das mazelas apontadas.
Ademais,
a implantação de candidaturas avulsas em nosso país requer uma mudança
constitucional. Dificilmente aqueles que detêm o monopólio da representação
política votariam pela quebra do mesmo. Esse é mais um dos becos sem saída da
política brasileira: ao mesmo tempo em que os partidos e os políticos não são
capazes e não querem realizar uma reforma política que melhore e modernize o
sistema representativo, também não estão dispostos a abrir janelas pelas quais
a sociedade possa exercer um maior controle e uma maior regulação sobre eles. A
democracia brasileira tende a perdurar nesta interminável agonia, na qual ela
está meio morta e meio viva. Neste desalento, os avanços econômicos, sociais e
políticos são sucedidos por retrocessos, num doloroso espetáculo que parece não
ter fim.
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Fonte: GGN - O Jornal de Todos os Jornais. Título original do artigo: 'A crise dos partidos e o fim do monopólio da política'.
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