Aí abaixo, um bom artigo de Carlos Melo (Prof. do Insper) sobre a conjuntura brasileira atual. Faço apenas duas considerações. Primeira, nas diversas traduções, a frase de Marx, por ele referida no artigo, aparece mais ou menos nos seguintes termos: os homens fazem a história, mas não a fazem sob circunstâncias da sua escolha. Segunda observação: não parece adequado, analiticamente, apanhar sobre o mesmo patamar questões que têm estatutos diferentes, ou seja, não parece apropriado nivelar as situações (e as responsabilidades) da presidente Dilma e do ex-presidente Lula. Isto posto, penso eu, vale a leitura. 'Mais uma flechada em São Sebastião? Claro que não. A coisa está mais para espancamento da historia'. A conferir.
Por Carlos Melo
Adivinhar
o futuro é tarefa tão custosa quanto vã; mas o futuro não é a Deus que
pertence. Ele é fruto do processo que se delineia sempiternamente, minuto a
minuto no constante no presente. Mais ou menos, o que dizia o Velho Marx: “os
homens fazem a história, mas não sabem a história que fazem”. O que será o
destino do governo Dilma ou do ex-presidente Lula? Quem saberá dizer… só mesmo
o processo é que permite indagar, como uma bola de cristal um tanto menos
inconfiável, que esse destino não será nenhum pouco brilhante quando construído
de todas estas sombras do agora.
Vistos
com olhos de hoje, é impossível não admitir que Dilma e Lula estão metidos numa
consistente e indesmentível enrascada. Não se trata de simples “armação da
mídia” ou da estupefata, nefelibata e inofensiva oposição. A tergiversação de
Lula não consegue omitir o óbvio: as justificadas
prisões de José Carlos Bumlai e de Delcídio do Amaral desenham um abismo que
olha para a atual e para o ex-presidente como que os convocando. Negar isto não
implica apenas em “petismo” ou “torcida” ou teimosia, mas em remata da tolice.
A
situação que estava distante de ser favorável ou caminhar para uma melhora –
ler aqui
“equilíbrio instável” –, evidentemente, piorou muito e aceleradamente. O nome
dado à operação que colocou Bumlai atrás das grades – “Passe Livre” – é uma
ironia não com o agora detento que, antes, tinha livre circulação nos Palácios
de Luiz Inácio, mas com o próprio ex-presidente. Uma estocada indireta de quem
já provoca, mas ainda não quer ir às vias de fato, já que, ao que parece, nos
cálculos de Sérgio Moro e de sua turma, não é hora de um enfrentamento direto e
em mar aberto contra Lula. Momento que chegará, pelo rumo dos ventos.
Dizem
os mais crentes que isso tudo é irrelevante, que Lula é forte e os fatos apenas
“mais uma flechada em São Sebastião”. Com efeito, São Sebastião morreu
açoitado. E a quantidade de pancadas que o ex-presidente tem levado, a
vulnerabilidade (inclusive familiar) a que tem sido exposto, não o fortalecem –
nem adianta insistir com mitificações ou sofismas: a situação de Lula está
longe de qualquer controle; a diminuição de sua densidade política é inegável;
Lula está “despoderado” ou em processo de franco “despoderamento”. Nem mesmo
sua base histórica — já não tão jovem e nem tão petista — parece acreditar em
sua mitologia.
Com
Dilma não é diferente. Seu governo não consegue encontrar saídas; nem mesmo o
remédio amargo parece viável — quanto mais o doce ajuste com crescimento!!! Se
um é impraticável pela política, o outro é improvável pela economia. O beco é
escuro e as poucas luzes se apagam. Agora foi o caso de Delcídio do Amaral. Não
é pouca coisa: o senador era ativo líder do governo; estava longe de ter papel
decorativo. No processo de negociação parlamentar — já tortuoso e dificílimo –,
possuía maior trânsito que qualquer outro líder (sic!) petista. Seu
recolhimento forçoso e sua desmoralização não abrem lacuna, expressam-se num
rombo na articulação do Planalto.
E
se fosse apenas isso… Sua prisão, assim como a do banqueiro André Esteves,
estabelece nova rodada de pânico. Ninguém é capaz de saber qual a decorrência
disto; o que será “encontrado” nos arquivos, nos celulares, nas anotações. Se
estarão dispostos a colaborar; quem será implicado; quais as ramificações de
mais esta lambança em que meteram o país e, sim, o governo. O mínimo que se
pode dizer de ambos é que são indivíduos muito (mas MUITO) bem relacionados; o
grau e o raio de irradiação dessa fonte de energia é ainda imensurável. Quem
estaria contaminado pelo contato? Delcídio, por exemplo, era das poucas pessoas
a ter, ele também, uma espécie de “passe livre” com Dilma. O que pode resultar?
É claro que esse futuro não cabe a Deus.
Como
tenho assinalado, o país está condenado a uma crise crônica, com momentos de
piora. Vive, no momento, mais uma fase aguda. O corpo sofre e a alma parece
querer se libertar; já não estar nesse mundo. Mas, ninguém vai antes da hora. O
timing é o da política e o processo é
o da história. Vivemos a história, sem saber a história que está sendo feita.
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Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/carlos-melo. Título original: 'História'.
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