Há um axioma oriental que diz que a incompreensão e o impeto para magoar, muitas vezes, são tão inerentes às pessoas como é o sal em relação às águas oceânicas. Então, por mais que se seja complacente para com elas, é bom ficar de sobreaviso. A incompreensão e a rebordosa podem vir - talvez, por isso, Nick Cave tenha cantado que 'as pessoas não são boas'. E atualmente, em tempos de redes sociais, a linguagem subliminar e os recados disfarçados de postagens abundam. Novas 'formas de socialização'. É a vida, 'o que se há de fazer?', poder-se-á perguntar com Sérgio Godinho. Querer fazer a coisa certa - e ter a intenção de fazer o bem ao outro - pode ter um preço indesejado. E a 'questão do certo', diga-se, não tem a ver com 'transcendência religiosa', mas sim com 'humanismo concreto' (tratei desse assunto aqui: http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=533&doc=14847&mid=2). Estive a pensar nessas considerações após ler o texto aí abaixo, enviado por um amigo. São extratos do desabafo do prof. Éfrem Maranhão, que, por razões várias, resolveu pedir demissão da UFPB. Filho do ex-reitor da UFPE Éfrem de Aguiar Maranhão (que, cá entre nós, fez um dos melhores reitorados da instituição), ele não suportou muitas "peculiaridades da rotina" na UFPB (que, de resto, estão presentes em diversas outras universidades) e resolveu ir embora. Jovem estudioso, cedo concluiu a sua formação completa (graduação, mestrado e doutorado). Compreendo a sua decisão, e como a compreendo! Até porque, de determinada forma, já fiz o mesmo. Ele, contudo, resolveu desligar-se oficialmente da instituição universitária; eu, no entanto, continuo a acreditar, ainda, na universidade pública e na sua 'oxigenação'/transformação. Até penso que, nesse sentido, deveríamos começar superando a organização assente em departamentos - sim, é isso mesmo: o fim dos departamentos. Já há promissoras experiências nessa perspectiva. A conferir, a seguir, o desabafo do prof. Éfrem. Perde a UFPB; ganha, e muito, a nova esfera profissional para onde ele vai.
Éfrem Maranhão Filho
Um sonho de vários
anos…
Não
foi fácil. Pensar que sete anos de preparo — o último da graduação em ciência
da computação, dois de mestrado e quatro de doutorado — com todos os seus
percalços e difíceis decisões no caminho, transformar-se-ia por completo nos
três anos e meio em que fui professor da UFPB.
Voltei
para iniciativa privada e esse mundo de startups. Não sou um dropout abrindo uma startup e
nem sai com algo promissor em vista, mas em busca de um propósito. Entretanto,
é naquele ambiente o qual, na minha limitada visão, consigo pesquisar . São
ambientes realmente inovadores e com pessoas motivadas, e esses fazem o
trabalho com gosto.
Ter
a resiliência para concluir anos de dedicação só foi possível pelos bons
conselhos que recebi no caminho, no qual muitos amigos/colegas ficaram. Não há
arrependimento do mestrado e doutorado, pelo contrário, fiz em instituições
relevantes — uma pública e outra privada — e foram estes anos os quais mudaram
a minha forma de analisar e entender situações problemáticas. Infelizmente, a
recompensa não foi a esperada por todo esforço e aqui explico os (principais)
porquês de uma forma resumida.
Falta ensino e pesquisa…
sobra politicagem
Reclamações
diversas dos servidores — professores e técnicos — , porém pouca ação para
mudar. A maior parte da energia gasta é por questões políticas. Eleições são
sujas, desestimulantes e não baseadas em competência. Não se seguem as regras
para os procedimentos administrativos — nem por bem nem por mal — e tudo vale,
construções irregulares, liberação de professores, distribuição de cargas
horárias, etc.
O
fato de se ter estabilidade, todos podem falar o que querem sem sofrerem
consequências. Isto poderia até ser uma coisa boa, porém, na prática, não é. Há
liberdade para agressividades e intrigas completamente desnecessárias. O
conselho que eu mais escutei foi “Dá tuas aulas e faz tuas coisas sem se
envolver e toca teus projetos”. Não, não quero isso. Quando se faz isso, quem
perde são os alunos, pois não há um professor dedicado, nem um bom profissional
no mercado.
Não há incentivos
Quem
está acostumado com outros ambientes de trabalho fora da área pública sabe a
importância da meritocracia — com raras exceções naquela. Não existe
meritocracia, aliás, não existe nem transparência. Conheci pouquíssimos
professores dispostos a ter seus relatórios semestrais abertos aos colegas e
nem pensar aos discentes. Ninguém sabe ao certo o que os professores fazem e
como administram o seu tempo. De um lado, temos um professor o qual abandona a
disciplina porque faltou com o compromisso, e do outro um o qual se matou para
lecionar três/quatro disciplinas, pesquisar, publicar… pois é, progredirão na
carreira igual.
É
uma cultura organizacional que nivela “por baixo”. Fazer o mínimo possível para
se continuar no emprego. Tem professor de administração que nunca foi
administrador, e nem precisa ser um excelente pesquisador. Não há professores
profissionais da área em tempo parcial. Todos os departamentos querem
professores com dedicação exclusiva — a lógica de ter um maior orçamento. Há
exceção, entretanto são basicamente nos centros de Medicina e Direito — e
claro, os motivos não são claros.
Professores
despreparados/desmotivados
Quando
se pensa que há milhares de professores com dedicação exclusiva, pensa-se que
há excelência no ensino. Em todo o período que estive na UFPB, não vi
professores motivados e com recursos necessários — falo de recursos de modo
geral, desde o básico, como papel higiênico no banheiro. E isso, por si, só já
seria um cenário terrível.
Não
há reciclagem e nem uma preocupação no modo de ensino. No máximo é informar a
necessidade do curso de mais concluintes e para isso, precisa que os alunos
passem. Não precisa aprimorar o método, só ter mais alunos concluintes. Não é
difícil perceber como isso é prejudicial à toda sociedade, infelizmente os
alunos não percebem. Os professores reclamam do nível dos discentes, mas não
percebem que são culpados de não mudarem essa percepção.
Alunos descompromissados
Além
de professores despreparados e/ou descompromissados, os alunos sabem disso e
tiram proveito. Felizmente, conheci algumas raras exceções ultimamente de
cursos de imersões na área de tecnologia, como o caso do General Assembly e Galvanize, onde vi uma preocupação com a
empregabilidade do aluno, óbvio, não são modelos perfeitos e possuem diversos
problemas. Entretanto, em cursos menos concorridos de universidades federais é
fácil imaginar a situação precária da educação do alunado.
Penso
tais cursos como agentes transformadores sociais, mas a dedicação dos
alunos — e dos professores — é muito baixa para isso, e raras exceções
realmente têm o compromisso com o seu aprendizado. E aqui não falo
necessariamente de aulas — tal fato não é exclusividade das instituições
públicas de ensino.
Ser acadêmico sempre
Não
que eu queria deixar a vida acadêmica, pelo contrário. Gostaria de trabalhar em
novos modos de ensino, porém não vejo como realizar tal atividade em
universidades federais, as quais seguem engessadas e perdidas no tempo. Há
tentativas de alguns — pouquíssimos — nobres professores que se dedicam ao
ensino/pesquisa de uma forma apaixonante. Entretanto, ver-se, em sua maioria,
pessoas acomodadas e preocupadas em aumentar seu rendimento.
Continuo
“participativo” na UFPB através de um Laboratório de Transparência Pública — LABTRANSP —, que financiamos. É empolgante
trabalhar com pessoas motivadas a aprender, e que não querem apenas
completar a disciplina e ter o diploma o mais rápido possível — novamente,
problema em todas as instituições de ensino que conheço.
Como
disse, não consegui me acomodar e pedi demissão . O que escutei - “você é louco
por largar um emprego público em época de crise” - só me fez motivar ainda
mais. Agora procuro descobrir, me envolver e começar novos projetos de ensino,
principalmente de métodos analíticos e tecnologia da informação. Sempre focados
na empregabilidade, autonomia e utilidade para a sociedade. Fico à disposição e
sempre terei tempo para quem quiser discutir tais tópicos.
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