Por Laurindo Lalo de Leal Filho
(Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP)
Ao romper os limites estabelecidos há décadas pela comunicação tradicional, a
internet criou promissores espaços de socialização e convivência, ainda que
virtuais. Mas também áreas cinzentas em que circulam riscos reais e temores
fundamentados.
Sem a internet, a possibilidade de tornar pública a vida pessoal, estimulada
pela cultura do espetáculo e das “celebridades instantâneas”, passava pelo
estreito filtro dos controladores da mídia.
Consciente desses limites, mas com uma aguda percepção do futuro, Andy Warhol,
já na década de 1960, dizia que “um dia, todos terão direito a 15 minutos de
fama”. Faltavam na época os instrumentos para tornar realidade a profecia do
artista, ícone da pop-art. A
internet, na virada do século 20 para o 21, resolveu o problema.
Hoje, todos que têm acesso à rede mundial de computadores podem ser produtores
de informação em geral, e aqueles que desejarem, de seus próprios feitos,
sucessos ou desventuras. Dependendo da repercussão podem se tornar, em
instantes, celebridades midiáticas, como mostram inúmeros exemplos.
Um dos mais recentes, de acesso globalizado, é o da jovem que ao se demitir do
trabalho fez uma despedida irônica da empresa, postando na rede um vídeo onde
canta e dança numa sala de redação vazia. Da letra depreende-se que o seu
trabalho era o de colocar na internet determinados vídeos em busca do maior
número de acessos possível.
Se na rotina diária ela talvez não tenha conseguido atender às exigências dos
chefes, apesar das exaustivas jornadas de trabalho, o vídeo de despedida
alcança grande sucesso, tornando-a uma nova “celebridade instantânea”. Sem
dúvida, um caso emblemático de metalinguagem com certo sabor de vingança.
Nesse caso, há um componente social relacionado ao mundo do trabalho e a rede
serviu para expor uma de suas contradições, o que é quase uma exceção à regra.
No geral, os que buscam a exposição midiática o fazem motivados pela busca de
recompensas psicológicas ou materiais: o reconhecimento público do indivíduo
saindo da multidão ou, além disso, a possibilidade de acesso a outros patamares
do mercado, especialmente quando a pretensão é se tornar uma celebridade um
pouco mais perene.
Quando se trata de uma busca rumo a um sonhado estrelato, repete-se na internet
algo que já se tornou comum nas mídias tradicionais. No princípio, ainda
desconhecido, o pretendente faz de tudo para aparecer. Apela para assessores de
imagem e de comunicação, assedia jornalistas, busca de todas as formas estar
presente em locais onde possa ver e ser visto. Adquirida alguma notoriedade,
passa a fazer-se de rogado, impondo exigências para dar entrevistas ou
participar de eventos.
Até aí estamos no mundo do espetáculo e daqueles que pretendem nele entrar, na
maioria das vezes conscientes dos riscos a que serão submetidos. As coisas se
complicam quando passamos a perceber como esse mundo torna-se um modelo de
identificação, atraindo principalmente os mais jovens. Há pesquisas, anteriores
à internet, mostrando como “heróis” da TV ou cantores “pop-stars” são
referências de vida para crianças e adolescentes.
A internet trouxe a sensação de que chegar a esse mundo estava mais fácil,
estimulando a exibição na rede de atos e fatos que antes eram restritos à
esfera privada, sem falar das exibições dos dotes físicos ou artísticos. “Se os
‘famosos’ contam e mostram tudo, por que eu não posso fazer o mesmo?”, é o sentimento que parece impulsionar o salto
para a vida em público, devassada.
Claro que esse não é o único motivo, embora seja um dos mais evidentes. Há
outros menos visíveis, mas nem por isso menos importantes, como a necessidade
da ampliação das “amizades” comuns nas chamadas redes sociais. Aí o perigo
aumenta, como mostram relatos muitas vezes trágicos desse tipo de contato. Mas
não se pode negar o lado positivo do reencontro virtual de velhos amigos,
separados pelo tempo e pela distância, refazendo laços e facilitando
reaproximações.
São pratos de uma mesma balança onde já é possível perceber que o positivo tem
mais consistência, embora o negativo siga assustando. Nada mais natural
tratando-se de um fenômeno recentíssimo, de acesso massivo, cuja utilização
ainda carece de reflexões mais cuidadosas e ponderadas. Talvez por ser um
instrumento dominado com muito mais facilidade pelas novas gerações, o uso
seguro da internet ainda necessite algum tempo para se consolidar. Talvez até o
momento em que essas gerações pioneiras de internautas estejam mais maduras.
Não que se deva contar apenas com o tempo para reduzir a carga negativa do
papel das redes sociais em particular e da internet como um todo. Há dois
caminhos práticos e atuais para enfrentar os seus riscos e armadilhas: educação
e legislação.
Educação aqui é em sentido amplo: em casa, na escola, através da mídia, da própria
internet, enfim mostrar por todos os meios como o uso cuidadoso da web pode
reduzir os riscos de surpresas desagradáveis. A começar pela conscientização
dos perigos envolvidos na exposição da vida íntima, ressaltando o uso criminoso
que pessoas mal-intencionadas possam fazer dela.
Mas isso não basta. Assim como pais e educadores ainda têm dificuldade em lidar
com um conteúdo tão novo, os legisladores igualmente passam apuros, embora
tenhamos avançado bastante nos últimos anos no Brasil [no que concerne ao marco
civil da internet). Capaz de garantir a neutralidade da rede, ou seja, permitir
que seu uso seja igual para todos e não beneficiando simplesmente a quem pode
pagar mais, como desejam as empresas de telefonia. Ao mesmo tempo
especializando os nossos operadores do direito (juízes, promotores, advogados)
e a Justiça em geral para capacitá-los a dar respostas rápidas e adequadas aos
crimes cometidos na rede, de acordo com as legislações já existentes no país.
É por aí que caminhamos nesse mundo novo. Como tudo que ainda é recente,
precisa ser visto com cuidado, evitando suas armadilhas, mas desfrutando de
suas virtudes.
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Fonte: http://www.sescsp.org.br
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