segunda-feira, 9 de novembro de 2015

'Olhos da vida na rede' e a preservação da privacidade

Por Laurindo Lalo de Leal Filho 
(Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP)

Ao romper os limites estabelecidos há décadas pela comunicação tradicional, a internet criou promissores espaços de socialização e convivência, ainda que virtuais. Mas também áreas cinzentas em que circulam riscos reais e temores fundamentados.
Sem a internet, a possibilidade de tornar pública a vida pessoal, estimulada pela cultura do espetáculo e das “celebridades instantâneas”, passava pelo estreito filtro dos controladores da mídia.
Consciente desses limites, mas com uma aguda percepção do futuro, Andy Warhol, já na década de 1960, dizia que “um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama”. Faltavam na época os instrumentos para tornar realidade a profecia do artista, ícone da pop-art. A internet, na virada do século 20 para o 21, resolveu o problema.
Hoje, todos que têm acesso à rede mundial de computadores podem ser produtores de informação em geral, e aqueles que desejarem, de seus próprios feitos, sucessos ou desventuras. Dependendo da repercussão podem se tornar, em instantes, celebridades midiáticas, como mostram inúmeros exemplos.
Um dos mais recentes, de acesso globalizado, é o da jovem que ao se demitir do trabalho fez uma despedida irônica da empresa, postando na rede um vídeo onde canta e dança numa sala de redação vazia. Da letra depreende-se que o seu trabalho era o de colocar na internet determinados vídeos em busca do maior número de acessos possível.
Se na rotina diária ela talvez não tenha conseguido atender às exigências dos chefes, apesar das exaustivas jornadas de trabalho, o vídeo de despedida alcança grande sucesso, tornando-a uma nova “celebridade instantânea”. Sem dúvida, um caso emblemático de metalinguagem com certo sabor de vingança.
Nesse caso, há um componente social relacionado ao mundo do trabalho e a rede serviu para expor uma de suas contradições, o que é quase uma exceção à regra. No geral, os que buscam a exposição midiática o fazem motivados pela busca de recompensas psicológicas ou materiais: o reconhecimento público do indivíduo saindo da multidão ou, além disso, a possibilidade de acesso a outros patamares do mercado, especialmente quando a pretensão é se tornar uma celebridade um pouco mais perene.
Quando se trata de uma busca rumo a um sonhado estrelato, repete-se na internet algo que já se tornou comum nas mídias tradicionais. No princípio, ainda desconhecido, o pretendente faz de tudo para aparecer. Apela para assessores de imagem e de comunicação, assedia jornalistas, busca de todas as formas estar presente em locais onde possa ver e ser visto. Adquirida alguma notoriedade, passa a fazer-se de rogado, impondo exigências para dar entrevistas ou participar de eventos.
Até aí estamos no mundo do espetáculo e daqueles que pretendem nele entrar, na maioria das vezes conscientes dos riscos a que serão submetidos. As coisas se complicam quando passamos a perceber como esse mundo torna-se um modelo de identificação, atraindo principalmente os mais jovens. Há pesquisas, anteriores à internet, mostrando como “heróis” da TV ou cantores “pop-stars” são referências de vida para crianças e adolescentes.
A internet trouxe a sensação de que chegar a esse mundo estava mais fácil, estimulando a exibição na rede de atos e fatos que antes eram restritos à esfera privada, sem falar das exibições dos dotes físicos ou artísticos. “Se os ‘famosos’ contam e mostram tudo, por que eu não posso fazer o mesmo?”,  é o sentimento que parece impulsionar o salto para a vida em público, devassada.
Claro que esse não é o único motivo, embora seja um dos mais evidentes. Há outros menos visíveis, mas nem por isso menos importantes, como a necessidade da ampliação das “amizades” comuns nas chamadas redes sociais. Aí o perigo aumenta, como mostram relatos muitas vezes trágicos desse tipo de contato. Mas não se pode negar o lado positivo do reencontro virtual de velhos amigos, separados pelo tempo e pela distância, refazendo laços e facilitando reaproximações.
São pratos de uma mesma balança onde já é possível perceber que o positivo tem mais consistência, embora o negativo siga assustando. Nada mais natural tratando-se de um fenômeno recentíssimo, de acesso massivo, cuja utilização ainda carece de reflexões mais cuidadosas e ponderadas. Talvez por ser um instrumento dominado com muito mais facilidade pelas novas gerações, o uso seguro da internet ainda necessite algum tempo para se consolidar. Talvez até o momento em que essas gerações pioneiras de internautas estejam mais maduras.
Não que se deva contar apenas com o tempo para reduzir a carga negativa do papel das redes sociais em particular e da internet como um todo. Há dois caminhos práticos e atuais para enfrentar os seus riscos e armadilhas: educação e legislação.
Educação aqui é em sentido amplo: em casa, na escola, através da mídia, da própria internet, enfim mostrar por todos os meios como o uso cuidadoso da web pode reduzir os riscos de surpresas desagradáveis. A começar pela conscientização dos perigos envolvidos na exposição da vida íntima, ressaltando o uso criminoso que pessoas mal-intencionadas possam fazer dela.
Mas isso não basta. Assim como pais e educadores ainda têm dificuldade em lidar com um conteúdo tão novo, os legisladores igualmente passam apuros, embora tenhamos avançado bastante nos últimos anos no Brasil [no que concerne ao marco civil da internet). Capaz de garantir a neutralidade da rede, ou seja, permitir que seu uso seja igual para todos e não beneficiando simplesmente a quem pode pagar mais, como desejam as empresas de telefonia. Ao mesmo tempo especializando os nossos operadores do direito (juízes, promotores, advogados) e a Justiça em geral para capacitá-los a dar respostas rápidas e adequadas aos crimes cometidos na rede, de acordo com as legislações já existentes no país.
É por aí que caminhamos nesse mundo novo. Como tudo que ainda é recente, precisa ser visto com cuidado, evitando suas armadilhas, mas desfrutando de suas virtudes.
----------------------------------
Fonte: http://www.sescsp.org.br






Nenhum comentário:

Postar um comentário