Por Leont Etiel
Gostava
de dizer agora, já que sei que do futuro não há como mandar notícias. Não só
porque o ‘futuro dura muito tempo’, mas porque não haverá hipótese de
comunicação. Encontrar-se-á no plano do ‘já não está’, e não ‘do é’. Não haverá
possibilidade sequer de lembrar do peso contínuo que habitou a vida ou talvez
de uma suprema graça última, a título de despedida, que animou alguma alegria
revelada.
Dói-me
ouvir-te lamentar e sofrer com as dores que as fraquezas da estrutura óssea do
teu corpo passaram a provocar nele. Dizes que é assim mesmo, que é quando o
tempo já começa a apertar. Desejava imenso que não o fosse. Falas com a mesma
serenidade que tinhas na mocidade, naqueles piniques na altura das férias da
Primavera.
Acredito
que lembro praticamente todos os detalhes sobre eles. Quase sempre me levavas à
pequena vila, logo ao princípio da manhã, para ‘olhar o trem passar’. Do apito
de quando ele se aproximava ficou-me na memória o barulho das carruagens sobre
os trilhos, junto com a singela movimentação das pessoas na estação arrumando
as bagagens para tomarem o seu destino. Após o apito anunciando a partida, nosso
destino era outro. O das pequenas fabriquetas de bolos e doces, onde nos abastecíamos
para o piquenique no encontro com a natureza. Não sem antes passarmos na
padaria e ouvirmos uma graça do simpático português, à base do refresco do seu
estabelecimento, que era o suco daquela altura.
Já
faz tanto tempo, mas é tudo tão vivo. Entretanto, agora estás aqui a dizer-me
que esse tempo te aperta, e desatas a me fazer recomendações, no pressuposto da
finitude, do ‘já não ser’. Do que devo ter cuidado, do que devo cuidar. Não me ponhas a pensar em coisas da
transcendência. Ossos terás para agora, como dantes, te manteres na estrada.
Eles, os ossos, estão apenas, coitaditos, um bocadinho cansados, pois já há
muito que tu caminhas, e com uma fibra que não é para qualquer um.
Lembra-te
tu agora do que tantas vezes me disseste quando olhávamos as estrelas, nos dias
de Verão que prosseguiam noite adentro. Que, ‘no meio da paz noturna, podemos
encontrar chaves para abrir portas que as chaves usuais não abrem’.
Estas são
as palavras que não te quero dizer escrevendo da deserta estação do futuro.
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