quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O ponto da situação: a política e o ruído das "lantejoulas"

Essa é de Eça de Queirós. Dizia ele que "não há nada mais ruidoso - e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a política". Claro, aí vai uma imensa dose da boa e útil ironia. Pois bem, é difícil ficar indiferente diante dos últimos acontecimentos no Brasil e na América do Sul (eleição argentina). Mesmo tendo sobre a mesa uma "montanha" de trabalho, que vão das demandas de pesquisa do CNPq, passando pelas questões inerentes à docência e à emissão de pareceres diversos.  E também recebo mensagens pedindo uma manifestação a respeito conjuntura. Fazendo o ponto da situação então: 

1) Chamado à Polícia Federal o filho do ex-presidente Lula, preso um dos amigos que gozava da estrita intimidade do ex-presidente e detido também o senador Delcídio Amaral (um fato inédito), líder do governo no Senado da República, fazendo-lhe companhia na mesma operação um dos banqueiros mais influentes do Brasil. Juntar-se-ão a outros graúdos que já estão "guardados" (o senador, pela imunidade parlamentar que detém, terá mais possibilidade legal de reverter a prisão). O país vai acabar? Claro que não. Do que se trata é do funcionamento das instituições, de forma republicana. Desde sempre, ouvimos a tolice que debitava todos os vícios do Estado brasileiro em supostos problemas da herança ibérico-portuguesa, coisa essa que só encontra abrigo na ignorância, e que transfere, permanentemente, aos outros as causas dos problemas de si próprio.  Repetir isso, com o país sendo independente de Portugal há cerca de duzentos anos, não passa de asneira, e das grosas - além de representar um profundo desconhecimento da realidade lusitana (a propósito, registre-se que, por lá, recentemente, um ex-primeiro ministro foi preso). 

2) Então a prisão do senador é um golpe na Esquerda, e também golpeia a presidente Dilma? Pode-se começar indagando: qual Esquerda? Se por acaso se estiver a referir a segmentos que, lançando mão de velhos e novos populismos, inflavam o balão do lulismo, por certo, sim. A história do senador Delcídio é curiosa: ocupante de cargo de confiança na Petrobras no governo governo FHC, migrou do PSDB para o PT. A presidente Dilma é atingida? Não são poucos os que - até na oposição - reconhecem a integridade pessoal da presidente, e até agora, diga-se, nada há que a desabone. Portanto, demarcando-se dessas "trabalhadas" que foram "jogadas em seu colo", não parece que seja  pessoalmente atingida, embora o ocorrido seja mais um componente condimentar a crise política. 

3) A eleição argentina. Pondo-se de parte as versões que, majoritariamente, têm pautado a cobertura da comunicação social, não é de se supor que o governo Macri representará uma ruptura total com os 12 anos do kirchnerismo no país e será o farol de uma onda de extra-direita na América Latina. Quem pensa desse modo, não entende nada da realidade Argentina. O fenômeno do peronismo no país (que, em tese, foi derrotado) é algo que perpassa forças políticas diversas, e continuará sendo assim na administração Macri. A propósito, no fundo, há suspeitas de que Cristina preferiu a Macri, e não o candidato oficial do peronismo (solitariamente, no Brasil, apenas a jornalista Sylvia Colombo trouxe esse fato a lume, aqui: http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2015/11/23/e-cristina-ao-final-preferiu-macri/). Desconhecer essa complexidade política da pátria de Piazzolla é o mesmo que querer falar sobre música argentina sem conhecer sequer o tango de rua na Boca ou em San Telmo aos domingos. 





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