Damasco, capital da Síria |
Por Guga Chacra
(Jornalista)
É triste ver como falam da
Síria, como se os sírios fossem selvagens radicais. Mas não é assim. A
Síria, embora seja um país novo, possui cidades milenares, como Damasco e
Aleppo. Por muitos anos, chegaram a ser das cidades mais cosmopolitas do mundo.
Estive dez vezes em Damasco. Sou
brasileiro, de origem cristã libanesa pelo lado paterno. E fui muito bem
recebido todas às vezes. Damasco, não podemos esquecer, possui patriarcados
cristãos – o Ortodoxo, o Melquita e o Siríaco. Ao todo, 12 apóstolos cristãos
viveram em Damasco, incluindo Mar Boulus, que significa São Paulo em árabe e dá
nome à maior cidade do Brasil.
Em Damasco, há dezenas ou mesmo
centenas de milhares de cristãos. Eles vivem nesta região há séculos,
provavelmente desde a época de Cristo. Na cidade velha, há o bairro de Bab
Touma, ou Portão Tomás, em homenagem a São Tomás. Nesta área, e em toda
Damasco, cristãos circulam livremente com seus amigos muçulmanos alauítas,
sunitas, drusos e ateus.
Damasco, quando os EUA invadiram
o Iraque, recebeu centenas de milhares de refugiados cristãos iraquianos. Eles
não tinham para onde ir. Ninguém se importava ou sequer sabia que tinha
cristãos no Iraque. Mas a Síria os recebeu e deu saúde e educação gratuita, além
de direito ao trabalho, sem nenhuma ajuda externa. Já pensou se o mundo fosse
assim com os sírios?
Os bares e restaurantes de
Damasco servem álcool. Afinal, quantos países do mundo podem dizer que possuem
uma bebida nacional do calibre do Arak? Os clubes, que lembram os brasileiros e
tem quadras de tênis, piscina e campo de futebol, reúnem a classe média local
para pegar um bronze no verão. A capital síria, inclusive agora, tem altas
baladas e a paquera rola solta. Parece muito o interior paulista ou mesmo São
Paulo e Belo Horizonte. Muitas mulheres não se cobrem. Algumas usam véu. Qual o
problema? De burqa, é raro. Há uma chance maior de ver uma mulher de burqa em
Londres. Honestamente, nunca vi em Damasco.
Os táxis são amarelos e o taxímetro funciona, diferentemente do Cairo ou de Beirute. O
trânsito é relativamente decente. A estrada que liga a fronteira do Líbano a
Damasco tem pista dupla, asfalto novo e posto de gasolina que lembra o Graal.
Até parece a Castelo Branco.
Aos domingos, uma das marcas de
Damasco são os sinos das igrejas. É um cenário mágico, dentro da cidade velha.
Tem missa em aramaico, algo raro em muitos países. E alguns fiéis são fluentes
em aramaico, diferentemente de muitos líderes de igrejas ao redor do mundo que
não sabem falar a língua de Cristo. Não muito longe dali, está a esplendorosa
mesquita dos Omíadas. Dentro, a tumba de São João Batista. E sim, cristãos
podem entrar, visitar e tirar fotos. Depois, vale tomar um sorvete no Bakdash
dentro do Suq al Hamidiya. Pelas ruas, aquele cheiro gostoso de narguilé e
muita gente jogando gamão enquanto toma chá ou café.
E tem a comida síria, similar à
libanesa e que nós conhecemos tão bem no Brasil. Kibe, esfiha, kafta, charuto
de folha de uva, hummus, coalhada seca. Dá vontade de comer depois de escrever
este texto.
Tem também shopping em Damasco.
Um ao lado do outro. São dois sócios que brigaram. E cinemas modernos, que
passam filmes ocidentais. Em um deles, dá para comer comida japonesa enquanto
vê o filme. A Universidade de Damasco é parecida com as brasileiras. Os
estudantes também. Tire uma foto e parecerá a UFRJ.
Muitos sírios, especialmente os
da elite, se consideram ocidentais. Lembra um pouco nós brasileiros, que também
nos consideramos ocidentais, embora o Ocidente não nos considere.
Os damascenos, assim como os
parisienses, sempre tiveram a alegria de viver. Mas a guerra atingiu o país. O
Brasil tem sorte de não ter guerra, embora tenha mais homicídios em todas as
suas capitais do que em Damasco. Mas guerra é diferente. A Europa teve guerra
nos anos 1940, quando meu pai nasceu. Não faz muito tempo. Foram dezenas de
milhões de mortos.
Muito bom seu artigo. Ajudou bastante em minhas pesquisas sobre a Síria. :-)
ResponderExcluir