Por Jânio de Freitas
Lula vai voar. De maneira mais terráquea e menos
poética, há meses comunica essa decisão de percorrer o país. Mas não decola. Se
afinal o fizer, não terá dificuldade em reavivar o entusiasmo de velhos
lulistas e de agraciados por melhorias de vida que seu governo proporcionou.
Não é imaginável, porém, que obtenha o mesmo resultado na defesa de Dilma e,
muito menos, do governo.
A admitir-se que Lula fala com seriedade ao se
dizer disposto a "ir para a disputa em 2018, enfrentar a oposição",
como fez na conversa com o uruguaio José Mujica (acentua-se o "u",
não o "i"), o seu propósito bifurca-se. Reativar os ânimos por sua
volta não é o mesmo, e em grande medida é até o contrário, que defender o
governo Dilma.
O desemprego já ceifa na ordem dos milhões, a
remuneração do trabalho diminui, "o consumo das famílias é o pior desde
2001", as manchetes proclamam a recessão, as greves retornam
multiplicadas, o arrocho atinge saúde e educação –é o público de Lula pagando o
desajuste neoliberal do governo Dilma. É o público que depositaria em Lula a
esperança de reverter a obra do governo Dilma.
Ou uma ou outra: fazer o trabalho preliminar para
eventual candidatura ou pregar uma inútil tolerância com o governo. O desastre
do governo é desastre do PT, e deste duplo desastre Lula não sai incólume.
Criou Dilma, acobertou-a e ao governo, e aceitou, ao menos para todos os
efeitos públicos, tanto o que houve no mandato anterior como no atual.
Mas existe uma alternativa para Lula, e não só para
ele. Está em uma forte mudança na Fazenda. Não da concepção neoliberal de
política, que isso não ocorreria. Mas de atitude. Joaquim Levy não é de fazer
as poses de suficiência de Pedro Malan, nem tem a conversa de vendedor de
calçada de Antonio Palocci. É tímido, sereno, educado. Fala pouco e baixo: seja
lá o que diga, não tem ênfase, nunca. Não demonstra convicção e não convence.
Se Levy não convence, o poder de argumentação de
Dilma é ainda mais incapaz de suscitar confiança, sobretudo depois de tantas
inversões factuais de suas palavras. O resultado é que ninguém acredita que os
desarranjos crescentes levem à arrumação da economia, ou lá do que for, em
tempo de evitar uma situação extremada. Isso está nítido até no empresariado
identificado ideologicamente com a política de Levy.
Para o governo e para Lula, uma forte mudança de
atitude, a ponto mesmo de parecer outro governo, neoliberal embora, convicto e
determinado, tudo indica ser a única porta para o futuro. Ainda assim, futuro
incerto. O que já será muito bom para eles, se comparado com o futuro dos que a
cada dia perdem, e continuarão perdendo, mais do pouco que melhorara as suas
vidas.
A não ser assim, a direção dos fatos indica que não
tardará a inauguração, no Ministério da Fazendo, de mais um retrato de
ex-ministro. Se bem que não poucos, nas proximidades de Lula, considerem que o
seu futuro político não dispensará a ruptura com sua criação.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 01/09/2015
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