quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Os ventos que virão


Por Leont Etiel

Quando John Milk aportou em Cruz da Serra, Cruz da Serra ainda não era Cruz da Serra. Lugar íngreme, pouco ou quase nada havia. A Coroa Portuguesa, de tantas venturas e desventuras na ocupação de territórios pelos quatro cantos do mundo, bem que já havia tentado povoar Cruz da Serra. Contudo, sem êxito. No lugar, índios perambulavam com “as suas vergonhas expostas”. Milk, o Jonh, não tinha muitas estratégias em mente. A única coisa que pensava talvez fosse como iria sobreviver naquele desgarrado sítio.
Buscou conversar com os indígenas. Todavia, o seu accent do norte português, designadamente do Porto, cerrando ainda mais as vogais, era um problema; sobretudo porque os índios tinham tomado contacto apenas com vagas noções da língua de Camões. A qualquer movimentação que parecia estranha aos nativos, eles logo, para usar expressão local, ‘davam no pé’ – isto é, corriam. Milk, o Jonh, não teve mãos (ou pés) a medir. E do seu não ter pés a medir, resultou a expressão ‘pegar índio a dente’.
Foi utilizando estas tácticas que John, que já sabemos ser o Milk, em decorrência das suas peripécias na Corte lusitana, nunca desprezando o líquido white, acostou-se a uma costela feminina. Ela pouco sabia. Pouco entendia. Pouco falava. Mas muito fazia... E isto, para Jonh, era o suficiente. Naqueles idos e naquelas plagas, este era, repetia ele, de si para si, um bom começo.
John olhou o horizonte. Fez cálculos. Pensou. Regressar ao Porto? Fora de hipótese. É certo que ele sentia falta dos vinhos do Douro, mas, em Cruz da Serra, para sua surpresa, conseguiu encontrar o outro líquido que apreciava: milk. Se assim foi, imaginava que seria possível também encontrar os brancos e os tintos, ou uma forma de fabricá-los. Enquanto isso não ocorria, Tayuan, a sua costela que nada falava mais muito fazia, apresentou-lhe uma solução que lhe parecia engenhosa: manufaturar uma raiz chamada mandioca, que outros também diziam ser macaxeira, no que há, por certo, uma ignorância, pois são raízes, mas raízes diferentes. A operação era, na percepção de John, relativamente simples. Consistia, ao fim e ao cabo, em descascar a raiz, prensá-la e espremê-la. Disso resultava o que Tayuan chamava de manipoeira, e que ela dizia ser ingerida pelos seus como forma de eles chegarem aos deuses. John, contudo, não queria ir tão longe. Se servisse para auxiliar na ingestão dos alimentos já estava de bom tamanho. De toda forma, daí resultou um espaço chamado casa de farinha.
John, agora já dispondo de dois líquidos whites, começava a fazer planos. Cruz da Serra começaria a ser desenhada. O que importa na vida, começou a pensar ele, é que, em decorrência desse enigma que paira entre o céu e a terra, não se procure evitar ‘os ventos que virão’.




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