Quando John Milk aportou em Cruz da
Serra, Cruz da Serra ainda não era Cruz da Serra. Lugar íngreme, pouco ou quase
nada havia. A Coroa Portuguesa, de tantas venturas e desventuras na ocupação de
territórios pelos quatro cantos do mundo, bem que já havia tentado povoar Cruz
da Serra. Contudo, sem êxito. No lugar, índios perambulavam com “as suas
vergonhas expostas”. Milk, o Jonh, não tinha muitas estratégias em mente. A
única coisa que pensava talvez fosse como iria sobreviver naquele desgarrado
sítio.
Buscou conversar com os indígenas.
Todavia, o seu accent do norte português, designadamente do
Porto, cerrando ainda mais as vogais, era um problema; sobretudo porque os
índios tinham tomado contacto apenas com vagas noções da língua de Camões. A
qualquer movimentação que parecia estranha aos nativos, eles logo, para usar
expressão local, ‘davam no pé’ – isto é, corriam. Milk, o Jonh, não teve mãos
(ou pés) a medir. E do seu não ter pés a medir, resultou a expressão ‘pegar
índio a dente’.
Foi utilizando estas tácticas que
John, que já sabemos ser o Milk, em decorrência das suas peripécias na Corte
lusitana, nunca desprezando o líquido white, acostou-se a uma
costela feminina. Ela pouco sabia. Pouco entendia. Pouco falava. Mas muito
fazia... E isto, para Jonh, era o suficiente. Naqueles idos e naquelas plagas,
este era, repetia ele, de si para si, um bom começo.
John olhou o horizonte. Fez cálculos.
Pensou. Regressar ao Porto? Fora de hipótese. É certo que ele sentia falta dos
vinhos do Douro, mas, em Cruz da Serra, para sua surpresa, conseguiu encontrar
o outro líquido que apreciava: milk. Se assim foi, imaginava que seria possível
também encontrar os brancos e os tintos, ou uma forma de fabricá-los. Enquanto
isso não ocorria, Tayuan, a sua costela que nada falava mais muito fazia,
apresentou-lhe uma solução que lhe parecia engenhosa: manufaturar uma raiz
chamada mandioca, que outros também diziam ser macaxeira, no que há, por certo,
uma ignorância, pois são raízes, mas raízes diferentes. A operação era, na
percepção de John, relativamente simples. Consistia, ao fim e ao cabo, em
descascar a raiz, prensá-la e espremê-la. Disso resultava o que Tayuan chamava
de manipoeira, e que ela dizia ser ingerida pelos seus como forma de eles
chegarem aos deuses. John, contudo, não queria ir tão longe. Se servisse para
auxiliar na ingestão dos alimentos já estava de bom tamanho. De toda forma, daí
resultou um espaço chamado casa de farinha.
John, agora já dispondo de dois
líquidos whites, começava a fazer planos. Cruz da Serra começaria a
ser desenhada. O que importa na vida, começou a pensar ele, é que, em
decorrência desse enigma que paira entre o céu e a terra, não se procure evitar ‘os
ventos que virão’.
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