Fachada do museu René Magritte, em Bruxelas, Bélgica |
Por Ivonaldo Leite
O tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar
(José Saramago)
Entre
a morte e as ruínas históricas pode ser estabelecida uma relação que evoca
necessariamente uma reflexão sobre a degradação temporal. Os sentimentos que experimentamos
sobre esse tribunal do tempo, sobre essa temporalidade degradada, nos provocam
uma deprimente tristeza.
Ao
constatarmos o perecer de uma vitalidade consciente, o falecimento de uma
pessoa estimada, atormentamo-nos no desconsolo das lembranças, mesmo quando se
busca apoio nas crenças religiosas. Assim é a morte. Ela nos aporta uma
pergunta sem resposta: ‘Por quê?’ Por não termos uma resposta confortante,
emerge uma dor profunda e, na sua sequência, a melancolia que se nos apodera
ora nos oprime no desaparecimento, ora nos indaga nos tormentos sobre o
significado das vidas individuais. Lágrimas são vertidas.
Se a sensação vazia do desaparecimento que
sentimos, diante do túmulo, nos provoca o luto e nos aprisiona à passividade, é
na indagação sobre o significado e a validade das vidas individuais onde
podemos encontrar o caminho que nos conduz a superar o desconsolo melancólico,
para devolvermo-nos ao mundo ativo da
história. Perante o morto não há consolo, pois ele pertence ao domínio do desaparecimento
e da finitude. Somente com o nosso retorno ao mundo ativo da história dos vivos,
podemos reconciliar-nos com a universalidade da vida. Quer dizer, é na
reconciliação com a vida que temos o lugar onde poderemos encontrar a
valorização do desaparecido. Contudo, não como desaparecido em si, mas na
expressão de sua universalidade vivida, no produto de sua atividade, que se
apresenta como legado e na significação exemplificativa.
Se é verdade que
a analogia entre as ruínas históricas e a morte leva-nos necessariamente à
reflexão sobre o crepúsculo das vidas individuais, também o é que ela nos
conduz à introspecção indagativa sobre a degradação do patrimônio histórico dos
lugares. Praças, casas, prédios, etc., com raízes históricas em distantes idos,
são a memória, um reflexo da ‘cor do tempo quando passa’, a alma de modos de
vida de determinada época materializada em construções, lembrando-nos que, em
boa medida, o nosso lugar presente foi edificado pela ação das gentes de tempos
outros. Quando o patrimônio histórico de uma cidade não é respeitado, não sendo
preservado, a sua memória verte lágrimas. E limita os seus habitantes a um
“presentismo” marcado pelo analfabetismo histórico.
Tal como o
perecer das vidas individuais, a desatenção ao patrimônio histórico representa
o ocaso do próprio lugar. Daí que, em cidades com ‘longas raízes históricas’, o
poder público estabeleça instâncias administrativas específicas (departamentos)
para cuidar da preservação da memória histórica, criando, por exemplo, como
iniciativa de fomento ao turismo, corredores
culturais (não físicos, portanto) na rota de antigos prédios, casas e
casarões. Bem sabe-se, nessas cidades, que, além do seu patrimônio histórico
ser um ativo turístico e de captação de recursos, se dele elas não cuidarem não
terão futuro. Afinal, a construção deste é resultado do labor de homens e mulheres
que, como cantou Vandré, têm “a certeza na frente, a história na mão.”
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