segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Tão fortes eram que sobreviveram à língua morta


Por Herberto Hélder 

tão fortes eram que sobreviveram à língua morta,
esses poucos poemas acerca do que hoje me atormenta,
décadas, séculos, milênios,
e eles vibram,
e entre os objectos técnicos no apartamento,
rádio, tv, telemóvel,
relógios de pulso,
esmagam-me por assim dizer com a sua verdade última
sobre a morte do corpo,
dizem apenas: igual ao pó da terra que não respira,
o que é falso, pois eu é que deixarei de respirar
sobre o pó da terra que respira,
entre o poema sumério e este poema de curto fôlego,
mas que talvez respire um dia,
ou dois, ou três dias mais:
quanto às coisas sumérias: as mãos da moça,
o cabelo da estreita moça,
a luz que estremecia nela,
tudo isso perdura em mim pelos milênios afora,
disso, oh sim, é que eu estou vivo e estremeço ainda

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