Aí abaixo uma instigante análise do Prof. Aldo Fornazieri sobre a interminável crise que o Brasil está a viver e as fontes que a nutrem: o próprio Palácio do Planalto e os principais segmentos da oposição. No caso do Palácio do Planalto, por ter "desistido" de governar, sendo o caso do orçamento deficitário paradigmático a esse respeito. Lembrando a mitologia romana, é de se dizer que o país parece se encontrar sob égide da deusa Fortuna, a divindade do acaso. Estamos a navegar no acaso e no improviso. Não se chega, assim, a bom porto.
Deusa Fortuna e Brasília: acaso e rochedo |
Por Aldo Fornazieri
(Professor da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo)
A crise política, que
alimenta a crise econômica e por ela é alimentada, parece não ter fim. Os dois
principais responsáveis pela persistência da crise são os mesmos dois
protagonistas das eleições presidenciais de 2014: Aécio Neves e Dilma Rousseff.
Aécio Neves quer ser presidente a qualquer custo, encurtando caminhos,
desestabilizando o país. Dilma é presidente, mas não governa. Abdicou de
liderar. O seu governo é uma nau dos desorientada. Segue a máxima de Zeca
Pagodinho: “Deixa a vida me levar”.
Com esses dois personagens –
um no epicentro da política da oposição, outra no epicentro da política do
governismo – a crise não tem saídas. Os tribunais tornaram-se o centro da
conjuntura. Eles ditam a agenda dos acontecimentos. Sendo que os tribunais têm
uma dimensão imperscrutável para o amanhã da política e sendo que o amanhã da
política está sendo ditado por investigações, depoimentos, prisões, provas,
testemunhas etc., os horizontes da política e da economia desapareceram ante a
imprevisibilidade dos acontecimentos. O Brasil está sob a égide pura da Deusa
Fortuna. O acaso e as circunstâncias incontroláveis estão no leme de um barco à
deriva. Não existem mais capitães com as antigas virtudes. Alguns perderam a
bússola e navegam às escuras. Outros se retiraram. Muitos dos que permanecem em
atividade têm o caráter de Fracesco Schettino. O Brasil, tal como um
transatlântico desgovernado, dirige-se rumo aos rochedos.
Aécio apostou contra
a pauta
Ao apostar todas as suas
fichas na cassação da chapa Dilma-Temer e na anulação das eleições, Aécio
articulou todo tipo de conspirações. Mas o seu jogo representou também uma
aposta contra o Brasil. Aécio é um dos principais responsáveis pela crise
política e pelo agravamento da crise econômica. Viabilizou a vitória de Eduardo
Cunha com a esperança de inviabilizar o governo e, no limite, promover o
impeachment. Orientou o PSDB a votar contra as várias medidas do ajuste fiscal.
Estimulou as pautas-bomba que elevam os gastos governamentais. Foi um dos
artífices do fim do fator previdenciário – uma obra do governo Fernando
Henrique. Com isso, não só agravou o déficit no presente, mas contribuiu para a
ruína das contas públicas também no futuro, alargando os mecanismos do déficit
fiscal estrutural, de longo prazo.
Na reforma política, Aécio
patrocinou o oportunismo da pior espécie ao transformar as instituições da
república em joguetes de seus interesses pessoais e de seus acertos com o único
objetivo de se apossar do poder: mandou dinamitar o instituto da reeleição –
outra obra de FHC – sem mesmo permitir que esta instituição tenha amadurecido e
que se possa estabelecer um juízo definitivo acerca de se é boa ou má para o
país.
A irresponsabilidade de
Aécio Neves custou-lhe caro: as elites o abandonaram. Entre o impeachment e o
não impeachment preferiram o segundo, decidiram permanecer com Dilma. As elites
perceberam que entre os dois, o impeachment custaria muito mais em termos
econômicos, políticos e sociais. O Brasil mergulharia ainda mais fundo na
incerteza. As elites perceberam que Aécio, movido por seus interesses pessoais,
não cumpre a pauta. E a pauta, agora, é a do ajuste fiscal, do controle do
endividamento público, do combate à inflação. O fato de Aécio em estando na
oposição não cumprir a pauta sugere que ele, como presidente, também não a
cumpriria se isto o beneficiasse em eleições futuras.
Para entender como funciona
Aécio Neves é preciso entender como funciona o ressentimento. Aécio não admite
a derrota de 2014. O escritor inglês Theodore Dalrymple escreveu recentemente
que o ressentimento é um sentimento que nunca se abandona. É possível abandonar
o ódio, mas não o ressentimento. Uma frase atribuída a William Shakespeare
define melhor o tema. Para ele, “guardar ressentimento é como tomar veneno e
esperar que a outra pessoa morra”. É isso mesmo: o envenenado Aécio Neves quer
ver Dilma politicamente morta. Mas quanto mais Aécio insiste na anulação das
eleições em parceria com Gilmar Mendes, mais longe de 2018 parece ficar. Ocorre
que as elites exigirão do PSDB um candidato mais confiável.
Dilma não quer
governar
Desde que foi reeleita, a
presidente Dilma perdeu todas as oportunidades que a sorte, as circunstâncias,
os acontecimentos e os atores lhe deram. Não assumiu o comando do seu governo e
não quer conduzir o país para outro rumo. Ela quer permanecer no limbo
político: ao não reconhecer que errou em seu primeiro mandato não tem a coragem
de assumir claramente outro programa. O governo, assim, permanece deprimido,
inativo, sem iniciativa. O tempo do seu governo está se esgotando. O tempo tem
um caráter intrinsecamente ruinoso. Somente a atividade humana virtuosa
consegue postergar a ruína provocada pelo tempo. Sem agir, a ruína do governo
Dilma se acelera pela ação do tempo, pela degradação dos problemas que não são resolvidos
e pela ação dos seus inimigos.
Além de não governar, Dilma
mantém na cozinha do Planalto um serpentário, para usar as palavras de Delfim
Neto. Tudo indica que o herpetologista mor é o chefe da Casa Civil, Aloísio
Mercadante. Ele minou a confiança do vice-presidente da República, Michel
Temer. Mau conselheiro, foi um dos responsáveis pelas chamadas políticas
anticíclicas do primeiro mandato que resultaram em privilégios dos setores
econômicos amigos do governo e em déficit nas contas públicas. Ele é também um
dos principais atravessadores da política econômica de Joaquim Levy. Ou seja,
aconselha mal, não tem liderança interna para unificar o governo e ainda impede
que outros ministros ajam com eficiência para acelerar o fim da crise. Mandado
investigar pelo STF na operação Lava Jato, Mercadante, junto com Edinho Silva,
deveriam se afastar ou serem afastados do governo. Se não o forem, a Lava Jato
entrará pelas portas do Planalto adentro.
Nem Dilma e nem o PT
entenderam a gravidade do déficit fiscal. Se ele não for contido, o Brasil
poderá caminhar para uma situação pior do que a da Grécia. Sabem que existe um
problema, mas o subestimam. Querem que Joaquim Levy costure os rasgos de um
pano velho com retalhos de tecidos gastos. Além de ministro da Fazenda, dada a
fragilidade e a desorganização política do governo, ele precisa agir como
articulador político no Congresso.
O cúmulo do desgoverno foi o
envio do Orçamento 2016 para o Congresso apresentando déficit fiscal. Este ato
de sinceridade insincera representou uma abdicação da vontade de governar. O
governo repassou aos outros uma responsabilidade que é sua. Governar significa
dirigir, comandar, imprimir direção e sentido. Mas ao invés de dirigir os
acontecimentos, o governo é dirigido por eles. Ao se posicionarem contra o
impeachment, as elites deram uma nova oportunidade a Dilma. Talvez seja a
última. Ou ela apresenta uma saída crível para a crise ou a sua saída entrará
na ordem do dia com pressões pela sua renúncia.
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