terça-feira, 8 de setembro de 2015

Incertezas, a crise interminável e o transatlântico a caminho de um rochedo

Aí abaixo uma instigante análise do Prof. Aldo Fornazieri sobre a interminável crise que o Brasil está a viver e as fontes que a nutrem: o próprio Palácio do Planalto e os principais segmentos da oposição. No caso do Palácio do Planalto, por ter "desistido" de governar, sendo o caso do orçamento deficitário paradigmático a esse respeito. Lembrando a mitologia romana, é de se dizer que o país parece se encontrar sob égide da deusa Fortuna, a divindade do acaso. Estamos a navegar no acaso e no improviso. Não se chega, assim, a bom porto. 


Deusa Fortuna e Brasília: acaso e rochedo 


Por Aldo Fornazieri
   (Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo)  

 A crise política, que alimenta a crise econômica e por ela é alimentada, parece não ter fim. Os dois principais responsáveis pela persistência da crise são os mesmos dois protagonistas das eleições presidenciais de 2014: Aécio Neves e Dilma Rousseff. Aécio Neves quer ser presidente a qualquer custo, encurtando caminhos, desestabilizando o país. Dilma é presidente, mas não governa. Abdicou de liderar. O seu governo é uma nau dos desorientada. Segue a máxima de Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar”.
Com esses dois personagens – um no epicentro da política da oposição, outra no epicentro da política do governismo – a crise não tem saídas. Os tribunais tornaram-se o centro da conjuntura. Eles ditam a agenda dos acontecimentos. Sendo que os tribunais têm uma dimensão imperscrutável para o amanhã da política e sendo que o amanhã da política está sendo ditado por investigações, depoimentos, prisões, provas, testemunhas etc., os horizontes da política e da economia desapareceram ante a imprevisibilidade dos acontecimentos. O Brasil está sob a égide pura da Deusa Fortuna. O acaso e as circunstâncias incontroláveis estão no leme de um barco à deriva. Não existem mais capitães com as antigas virtudes. Alguns perderam a bússola e navegam às escuras. Outros se retiraram. Muitos dos que permanecem em atividade têm o caráter de Fracesco Schettino. O Brasil, tal como um transatlântico desgovernado, dirige-se rumo aos rochedos.

Aécio apostou contra a pauta
Ao apostar todas as suas fichas na cassação da chapa Dilma-Temer e na anulação das eleições, Aécio articulou todo tipo de conspirações. Mas o seu jogo representou também uma aposta contra o Brasil. Aécio é um dos principais responsáveis pela crise política e pelo agravamento da crise econômica. Viabilizou a vitória de Eduardo Cunha com a esperança de inviabilizar o governo e, no limite, promover o impeachment. Orientou o PSDB a votar contra as várias medidas do ajuste fiscal. Estimulou as pautas-bomba que elevam os gastos governamentais. Foi um dos artífices do fim do fator previdenciário – uma obra do governo Fernando Henrique. Com isso, não só agravou o déficit no presente, mas contribuiu para a ruína das contas públicas também no futuro, alargando os mecanismos do déficit fiscal estrutural, de longo prazo.
Na reforma política, Aécio patrocinou o oportunismo da pior espécie ao transformar as instituições da república em joguetes de seus interesses pessoais e de seus acertos com o único objetivo de se apossar do poder: mandou dinamitar o instituto da reeleição – outra obra de FHC – sem mesmo permitir que esta instituição tenha amadurecido e que se possa estabelecer um juízo definitivo acerca de se é boa ou má para o país.
A irresponsabilidade de Aécio Neves custou-lhe caro: as elites o abandonaram. Entre o impeachment e o não impeachment preferiram o segundo, decidiram permanecer com Dilma. As elites perceberam que entre os dois, o impeachment custaria muito mais em termos econômicos, políticos e sociais. O Brasil mergulharia ainda mais fundo na incerteza. As elites perceberam que Aécio, movido por seus interesses pessoais, não cumpre a pauta. E a pauta, agora, é a do ajuste fiscal, do controle do endividamento público, do combate à inflação. O fato de Aécio em estando na oposição não cumprir a pauta sugere que ele, como presidente, também não a cumpriria se isto o beneficiasse em eleições futuras.
Para entender como funciona Aécio Neves é preciso entender como funciona o ressentimento. Aécio não admite a derrota de 2014. O escritor inglês Theodore Dalrymple escreveu recentemente que o ressentimento é um sentimento que nunca se abandona. É possível abandonar o ódio, mas não o ressentimento. Uma frase atribuída a William Shakespeare define melhor o tema. Para ele, “guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”. É isso mesmo: o envenenado Aécio Neves quer ver Dilma politicamente morta. Mas quanto mais Aécio insiste na anulação das eleições em parceria com Gilmar Mendes, mais longe de 2018 parece ficar. Ocorre que as elites exigirão do PSDB um candidato mais confiável.

Dilma não quer governar
Desde que foi reeleita, a presidente Dilma perdeu todas as oportunidades que a sorte, as circunstâncias, os acontecimentos e os atores lhe deram. Não assumiu o comando do seu governo e não quer conduzir o país para outro rumo. Ela quer permanecer no limbo político: ao não reconhecer que errou em seu primeiro mandato não tem a coragem de assumir claramente outro programa. O governo, assim, permanece deprimido, inativo, sem iniciativa. O tempo do seu governo está se esgotando. O tempo tem um caráter intrinsecamente ruinoso. Somente a atividade humana virtuosa consegue postergar a ruína provocada pelo tempo. Sem agir, a ruína do governo Dilma se acelera pela ação do tempo, pela degradação dos problemas que não são resolvidos e pela ação dos seus inimigos.
Além de não governar, Dilma mantém na cozinha do Planalto um serpentário, para usar as palavras de Delfim Neto. Tudo indica que o herpetologista mor é o chefe da Casa Civil, Aloísio Mercadante. Ele minou a confiança do vice-presidente da República, Michel Temer. Mau conselheiro, foi um dos responsáveis pelas chamadas políticas anticíclicas do primeiro mandato que resultaram em privilégios dos setores econômicos amigos do governo e em déficit nas contas públicas. Ele é também um dos principais atravessadores da política econômica de Joaquim Levy. Ou seja, aconselha mal, não tem liderança interna para unificar o governo e ainda impede que outros ministros ajam com eficiência para acelerar o fim da crise. Mandado investigar pelo STF na operação Lava Jato, Mercadante, junto com Edinho Silva, deveriam se afastar ou serem afastados do governo. Se não o forem, a Lava Jato entrará pelas portas do Planalto adentro.
Nem Dilma e nem o PT entenderam a gravidade do déficit fiscal. Se ele não for contido, o Brasil poderá caminhar para uma situação pior do que a da Grécia. Sabem que existe um problema, mas o subestimam. Querem que Joaquim Levy costure os rasgos de um pano velho com retalhos de tecidos gastos. Além de ministro da Fazenda, dada a fragilidade e a desorganização política do governo, ele precisa agir como articulador político no Congresso.
O cúmulo do desgoverno foi o envio do Orçamento 2016 para o Congresso apresentando déficit fiscal. Este ato de sinceridade insincera representou uma abdicação da vontade de governar. O governo repassou aos outros uma responsabilidade que é sua. Governar significa dirigir, comandar, imprimir direção e sentido. Mas ao invés de dirigir os acontecimentos, o governo é dirigido por eles. Ao se posicionarem contra o impeachment, as elites deram uma nova oportunidade a Dilma. Talvez seja a última. Ou ela apresenta uma saída crível para a crise ou a sua saída entrará na ordem do dia com pressões pela sua renúncia.

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