Tela de Ygor Raduy |
Por Susana Machado
Lá
no alto da serra existia uma cabana. Era um abrigo simples, construído em
madeira tosca e chapas de zinco, mas com uma porta blindada. Lá dentro vivia
uma velhota franzina, que perdera contas da idade. Vivia lá desde sempre,
talvez. Nunca ninguém a tinha visto sair, nunca ninguém tinha sido convidado a
entrar.
Embora ninguém
soubesse porquê, era tudo o que ela desejava fazer. Passava os dias à janela,
olhando o céu e o vento a dançar com as árvores, desejando poder senti-lo na
face. Mas nunca se atrevia a sair.
Havia lá fora um
homem que teimava em a perseguir. Sempre que colocava o pé fora de casa, via
aquele vulto por trás de si, pronto a atacar. Não sabia porque o fazia, não
entendia os seus motivos. Apenas sabia que ele estava lá sempre, que não lhe
podia fugir e, por isso, receando o que este lhe podia fazer, optou por não
mais sair. Acabou-se o problema. A porta blindada impedia-o de entrar e ele
sabia isso, pois nunca o tentara fazer. Ela não sabia onde ele se escondia, bem
procurava percebê-lo, olhando pela janela, mas nunca o via. Sabia, contudo, que
era perto, pois assim que colocasse o pé fora de casa, ele lá estaria. Tinha
tentado tantas vezes. Adorava poder sair quando o Sol brilhava, mas há anos que
não se atrevia a tentá-lo. Ali se deixava ficar, olhando pela janela o mundo
que tanto desejava viver.
Era nessa mesma
janela que estava, um dia, quando uma imensa nuvem cobriu o Sol e começou a
chover. Foi quando o viu. Um vulto, no meio das árvores. Assustou-se! Seria
ele? Deu um passo para trás, encolheu-se. À medida que o vulto avançava pode
ver claramente que se tratava apenas de uma criança, perdida, desorientada, com
aquilo que parecia ser um velho papagaio rasgado na mão. Aproximou-se novamente
da janela. Chovia muito e o menino estava encharcado até aos ossos. Por certo
pedir-lhe-ia abrigo e não o poderia negar. Abriria a porta rapidamente e a
fecharia logo em seguida. Não teriam problemas.
Mas eis que enquanto
assim pensava, viu o menino tropeçar e cair no chão, agarrando-se ao seu
tornozelo. Chorava e gritava de dor, por certo não podia avançar mais. Não
podia sair…não podia sair. Ficou ali, vendo o menino agonizar debaixo da chuva
forte que parecia não querer parar. Não teve mais coragem e, sem pinga de
sangue, abriu a porta e correu até ele. Ninguém a perseguia. Chegou até ele,
limpou-lhe as lágrimas e acalmou-lhe a dor antes de o pegar ao colo. O seu
corpo frio tremia. Avançou mais lentamente sob o peso daquele corpo frágil nos
seus ossos cansados. E eis que o Sol começou a despontar, primeiro timidamente,
depois mais forte. Ao caminhar, pode ver aquele vulto surgir novamente detrás
de si, a sua sombra, nada mais que a sua sombra… Tinha sido sempre a sua
sombra.
--------------------------------------------------------
Fonte: http://canalsubversa.com/?p=2715
Nenhum comentário:
Postar um comentário