Por Cristina Souza
A
primeira obra que li do [Gabriel García] Márquez foi Amor nos Tempos do Cólera. Demorei para
iniciar a leitura, que é claro me pegou de jeito. Devorei em pouco tempo - mas,
como acontece com todo bom livro, no seu final fiquei com uma fome ainda maior.
Não tive dúvidas, é claro, sobre a boa qualidade do autor ou sobre o desenrolar
do enredo. É incrível como Marquéz faz suas conexões de tempo e personagens,
como utiliza palavrões de uma forma totalmente poética e faz você amar e
desamar a mesma pessoa por diversas vezes na sua obra. A minha fome pós-leitura
era outra: fiquei até um tanto deprimida pela forma que o amor foi retratado no
livro e pela forma que vivemos ele hoje.
Florentino
Ariza sustentou o amor incondicional por Fermina Daza por mais de cinquenta
anos. Eles trocavam cartas apaixonadas. Olhares. Aventuras. O cólera pairava
pela cidade causando certo terror por conta de suas mortes, mas nada que se
comparasse à dor da espera de um amor que não era correspondido. Mesmo quando
existiam os chamados amores urgentes, efêmeros, de passagem, eles não passavam
sem deixar algo de bom, não aconteciam por algo vazio. Não aconteciam para
inflar o ego dos personagens ou serem apenas mais um número – mesmo aqueles que
pareciam sem propósito tinham sua importância na vida dos protagonistas. Era
uma época de paixões intensas e sentimentos duradouros, mostrando que o amor
ultrapassa barreiras, idade, doenças, tristeza, solidão.
Agora,
não escrevemos mais cartas. Faz tempo. Até e-mail tem se tornado algo obsoleto.
Ligação então, nem se fala. Saudades de passar horas no telefone enrolando o
fio de cabelo e olhando para o próprio pé enquanto luto para dizer tchau.
Aquele charme do primeiro você-não-primeiro-você-vamos-lá-juntos-no-três se
perdeu, junto com tantas outras coisas que pareciam bobas e essenciais, mas
agora estão enterradas no museu do esquecimento. Exibimos fotos sorridentes
enquanto estamos sentados de pijama velho no quarto bagunçado, porque é mais
fácil que sair de casa e abrir-se para a vida. A vida acontece lá fora, mas
vejo cada vez mais as luzes acesas pelas janelas dos prédios madrugada adentro.
Luzes acesas por pessoas que confinadas, a ponto de se sufocar em sua própria
solidão, esperam que algo aconteça.
Mas
não acontece. E quando acontece, se perde no próximo match. A oferta é grande.
Não há mais paciência, não existe mais a magia de conhecer o outro – aliás, já
escancaramos tudo, não é mesmo? Olhares perdidos não se cruzam mais, pois todos
estão olhando para a mesma coisa: seu celular com seus mil aplicativos que
servem para ajudar a fazer coisas que ninguém deveria nos ensinar, como
conhecer pessoas, por exemplo. Lidamos com dez aplicativos ao mesmo tempo, mas
não sabemos nos portar em uma conversa face
to face com uma única pessoa. Não resistimos a ânsia de tirar uma foto no
barzinho e dizer para todo mundo sobre como somos descolados, qual cerveja cara
estamos bebendo e como a música está bombando, ao invés de simplesmente viver
tudo isso sem escancarar para ninguém. Se quer saber, se o amor de Márquez
fosse nos tempos do Tinder, e não do Cólera, jamais teria acontecido, afinal
FLorentino Ariza não teria enxergado Fermina Daza cruzar sua frente todos os
dias, pois estaria ocupado demais distribuindo matchs no seu iphone de última
geração.
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Fonte: http://lounge.obviousmag.org/
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