O título original do artigo aí abaixo, do jornalista Bernardo Mello Franco, é 'O príncipe e os súditos'. Ou, dizemos nós, de como a vida política brasileira tem se transformado num circo sem pão e sem graça. Já não se trata mais do embuste romano em torno do panis et circenses. Trata-se, sim, do espetáculo somente do trágico pelo trágico, de forma permanente.
Por Bernardo Mello Franco
Herdeiro
da maior empreiteira do país, o executivo Marcelo Odebrecht é conhecido pelo
apelido de príncipe. Nesta terça, ele deixou a prisão para ser cortejado por um
diligente grupo de súditos: os deputados da CPI da Petrobras.
O depoimento se transformou em uma ação entre
amigos. Os inquisidores pareciam concorrer para ver quem elogiava mais o
empresário, que responde a ação penal por corrupção, lavagem de dinheiro e
formação de organização criminosa.
"Senhor Marcelo, é a primeira vez que
tenho a oportunidade de estar pessoalmente no mesmo ambiente que o
senhor", desmanchou-se Altineu Côrtes (PR-RJ). Depois, ele disse conhecer
empregados da Odebrecht que sentem "profundo orgulho" do patrão. Só
faltou pedir autógrafo.
Valmir Prascidelli (PT-SP) formulou uma
pergunta curiosa ao investigado. "O sr. acha adequada e correta a sua
prisão, considerando que sempre se colocou à disposição da Justiça?"
Odebrecht retribuiu, sensibilizado: "Agradeço muito as perguntas que o sr.
está fazendo, porque elas seriam as minhas respostas".
Delegado Waldir (PSDB-GO), que na véspera
chamara José Dirceu de "ladrão", parecia outra pessoa.
"Parabéns, eu também me orgulho muito do meu pai", disse, quando o
empreiteiro citou o patriarca Emilio.
Outro tucano, Bruno Covas (PSDB-SP), se
mostrou compreensivo quando o réu se recusou a responder perguntas: "Não
precisa pedir desculpas, até porque é um direito seu".
É elogiável que os deputados façam perguntas
em tom educado. Mas o excesso de mesuras ficou constrangedor até para os
padrões da CPI, que tem se empenhado em proteger réus e perseguir delatores da
Lava Jato.
No fim, Carlos Andrade (PHS-RR) quis saber se
o executivo continua a defender o financiamento privado de campanhas. Em 2014,
o grupo Odebrecht doou R$ 918 mil a deputados da CPI. "Sou a favor, sempre
fui", respondeu o príncipe encarcerado. Os súditos pareceram respirar
aliviados.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 02/09/2015
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