sábado, 12 de setembro de 2015

O tempo foge ou a crônica de um desfecho anunciado?

Muitas são as abordagens sobre a crise interminável que assola o Brasil, mas poucos são os textos com equilíbrio analítico e com, digamos, "senso de proporção". De um modo geral, por um lado, ora pululam os enfoques pela derrubada da Presidente Dilma a qualquer custo, mesmo apostando no caos para o país e buscando apoio de políticos com conduta suspeita e/ou recheada de delitos; ora, por outro lado, temos os discursos de segmentos petistas/governistas segundo os quais 'não há nada de errado' ou, no máximo, invocam a desculpa surrada de que 'o que ocorreu sempre aconteceu no Brasil'. It's so hard! Essas duas posturas representam a tradução simbólica da improdutiva e medíocre dicotomia 'coxinhas x petralhas'. Assim não dá, não vamos a lugar nenhum. Aí abaixo, um artigo de André Singer que se coloca para além de tal desinteligência. O seu título original é 'O tempo foge' - o 'a crônica de um desfecho anunciado?' corre por minha conta. 


André Singer
(Universidade de São Paulo - USP)

O rebaixamento do Brasil pela Standard & Poor's, ao provocar mais uma rodada de reações tópicas de um governo desesperadamente carente de orientação, inaugura o que pode ser um dos últimos capítulos do segundo mandato de Dilma Rousseff. Não tanto pelas consequências econômicas da nota negativa, mas pelo vácuo político que ajuda a formar em torno do Planalto enquanto, do outro lado da Praça dos Três Poderes, a contagem regressiva dos que se engajaram na tese do impeachment começa a atrair mais adeptos.
Em resposta à perda do selo de boa pagadora, a presidente ordena cortes urgentes e medidas administrativas de contenção. Trata-se do equivocado cálculo de que ao ceder a esmo às pressões imediatas, agora potencializadas pela agência de rating, diminuirá a adesão ao plano golpista. Não percebe que a única coisa que pode preservá-la – e junto com ela a integridade democrática e as conquistas sociais do período lulista – seria apresentar uma perspectiva coerente de médio prazo, organizando arco de forças interessadas em acordo mínimo de estabilidade e fim da recessão.
Mas para tanto, Dilma precisaria sair da encalacrada em que começou a se meter no dia seguinte à reeleição, quando, ao contrário de tudo o que prometera, foi buscar no mercado financeiro alguém para comandar o Ministério da Fazenda. Isolada do conjunto da burguesia, aconselhada por Lula desde 2012 a tirar Guido Mantega, com a Operação Lava Jato desmontando os partidos, na iminência de ter Eduardo Cunha no comando da Câmara dos Deputados, a recém-reeleita deu o passo fatal.
Com uma economia já parada e os juros em ascensão permanente, Dilma optou por um ajuste fiscal draconiano e assassino. Não foi preciso sequer esperar que os cortes orçamentários fossem efetivados. Bastou o anúncio deles para que todos os agentes –consumidores, investidores, empresas – começassem a contrair as atividades.
O resultado aí está. Uma recessão prevista de pelo menos 2,5% em 2015, o desemprego em alta, a renda do trabalhador em baixa e, com a arrecadação despencando, o rombo fiscal aberto. Diante do estrago, numa espécie de reflexo condicionado, os conservadores pressionam por mais dureza e rigor. Só que atendidos tais apelos, daqui a alguns meses estaremos em um poço ainda mais profundo e o governo –qualquer que seja ele– em maus lençóis.
Do ponto de vista de classe, um pacto de ruptura com esse círculo vicioso seria possível e permitiria diminuir as perdas de todos. Porém, o tempo político para que a presidente o encabece se esfuma dia a dia. A triste alternativa do impeachment, como arremedo antidemocrático do parlamentarismo que não temos, poderá jogar o problema no colo de um eventual "gabinete" Michel Temer.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 11/09/2015

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