Muitas são as abordagens sobre a crise interminável que assola o Brasil, mas poucos são os textos com equilíbrio analítico e com, digamos, "senso de proporção". De um modo geral, por um lado, ora pululam os enfoques pela derrubada da Presidente Dilma a qualquer custo, mesmo apostando no caos para o país e buscando apoio de políticos com conduta suspeita e/ou recheada de delitos; ora, por outro lado, temos os discursos de segmentos petistas/governistas segundo os quais 'não há nada de errado' ou, no máximo, invocam a desculpa surrada de que 'o que ocorreu sempre aconteceu no Brasil'. It's so hard! Essas duas posturas representam a tradução simbólica da improdutiva e medíocre dicotomia 'coxinhas x petralhas'. Assim não dá, não vamos a lugar nenhum. Aí abaixo, um artigo de André Singer que se coloca para além de tal desinteligência. O seu título original é 'O tempo foge' - o 'a crônica de um desfecho anunciado?' corre por minha conta.
André Singer
(Universidade de São Paulo - USP)
O rebaixamento do Brasil
pela Standard & Poor's, ao provocar mais uma rodada de reações tópicas de
um governo desesperadamente carente de orientação, inaugura o que pode ser um
dos últimos capítulos do segundo mandato de Dilma Rousseff. Não tanto pelas consequências
econômicas da nota negativa, mas pelo vácuo político que ajuda a formar em
torno do Planalto enquanto, do outro lado da Praça dos Três Poderes, a contagem
regressiva dos que se engajaram na tese do impeachment começa a atrair mais
adeptos.
Em
resposta à perda do selo de boa pagadora, a presidente ordena cortes urgentes e
medidas administrativas de contenção. Trata-se do equivocado cálculo de que ao
ceder a esmo às pressões imediatas, agora potencializadas pela agência de
rating, diminuirá a adesão ao plano golpista. Não percebe que a única coisa que
pode preservá-la – e junto com ela a integridade democrática e as conquistas
sociais do período lulista – seria apresentar uma perspectiva coerente de médio
prazo, organizando arco de forças interessadas em acordo mínimo de estabilidade
e fim da recessão.
Mas
para tanto, Dilma precisaria sair da encalacrada em que começou a se meter no
dia seguinte à reeleição, quando, ao contrário de tudo o que prometera, foi
buscar no mercado financeiro alguém para comandar o Ministério da Fazenda.
Isolada do conjunto da burguesia, aconselhada por Lula desde 2012 a tirar Guido
Mantega, com a Operação Lava Jato desmontando os partidos, na iminência de ter
Eduardo Cunha no comando da Câmara dos Deputados, a recém-reeleita deu o passo
fatal.
Com
uma economia já parada e os juros em ascensão permanente, Dilma optou por um
ajuste fiscal draconiano e assassino. Não foi preciso sequer esperar que os
cortes orçamentários fossem efetivados. Bastou o anúncio deles para que todos
os agentes –consumidores, investidores, empresas – começassem a contrair as
atividades.
O
resultado aí está. Uma recessão prevista de pelo menos 2,5% em 2015, o
desemprego em alta, a renda do trabalhador em baixa e, com a arrecadação
despencando, o rombo fiscal aberto. Diante do estrago, numa espécie de reflexo
condicionado, os conservadores pressionam por mais dureza e rigor. Só que
atendidos tais apelos, daqui a alguns meses estaremos em um poço ainda mais
profundo e o governo –qualquer que seja ele– em maus lençóis.
Do
ponto de vista de classe, um pacto de ruptura com esse círculo vicioso seria
possível e permitiria diminuir as perdas de todos. Porém, o tempo político para
que a presidente o encabece se esfuma dia a dia. A triste alternativa do
impeachment, como arremedo antidemocrático do parlamentarismo que não temos,
poderá jogar o problema no colo de um eventual "gabinete" Michel
Temer.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 11/09/2015
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