Enquanto o governo da Presidente Dilma segue na imprevisão da sobrevivência, dois fatos merecem registro: 1º) a oficialização da criação da Rede Sustentabilidade, da ex-ministra Marina Silva, provocando defecções em vários partidos (até no PSOL); 2º) o parecer favorável da Procuradoria Geral da República para que a Polícia Federal colha depoimento do ex-Presidente Lula, como testemunha, no âmbito da Operação Lava Jato. Neste último caso, mesmo que, até o presente, não exista investigação contra o ex-Presidente, trata-se de uma decisão incômoda ao governo, comemorada, por outro lado, por os que desejam a prisão do ex-mandatário. É mais um ingrediente de desgaste no tormentoso quadro que vive o governo federal. No tocante ao primeiro fato e os seus desdobramentos, tem-se a volta da ex-ministra Marina Silva à cena política nacional, com um protagonismo que não se via desde a sua derrota na eleição presidencial do ano passado. O que isso significará? Uma análise de todo esse processo, pela pena do Prof. Aldo Fornazieri, pode ser lida aí abaixo.
Por
Aldo Fornazieri
Entre
as possibilidades de impeachment e renúncia e de não-impeachment e não-renúncia
de Dilma, muitos acontecimentos imponderáveis e não previstos poderão e deverão
ocorrer até 2018. Mas esta conjuntura crítica que caracteriza o atual momento
histórico do Brasil é de longa duração e se define por dois elementos
estruturantes: 1) a crise de deslegitimação do sistema e dos atores políticos;
2) a crise econômica. Não há nenhum indício de que estas duas crises, com suas
imbricações e suas autonomias, tenham algum tipo de solução satisfatória até
2018, independentemente do desfecho da crise específica que atinge o governo
Dilma.
No plano da crise política, o divórcio que
existe entre a sociedade e o sistema político, entre os eleitores e os
representantes, entre o povo e os governos tem causas complexas e é de difícil
solução. Dentre outras causas está a percepção de que o sistema é
estruturalmente corrupto, de que os partidos e os políticos colocam seus
interesses próprios acima do bem público, de que os políticos e agentes
públicos graduados se beneficiam de cestas de privilégios, de que o poder
público arrecada muito e entrega pouco, de que os governos perderam capacidade
e eficiência na entrega de bens públicos e políticas sociais e de que o sistema
tributário e de subsídios beneficia a elite abastada da sociedade. Na medida em
que o presidencialismo de coalizão é também um presidencialismo de barganhas, a
crise fiscal exauriu os estoques de ativos concedíveis pelo governo, provocando
a perda de apoio no Congresso.
O colapso de legitimidade do sistema político
teve seu apogeu em junho de 2015 e de lá para cá o que houve foi mais degradação
e degeneração e não recuperação ou refundação. Nem as eleições de 2014 e nem os
arremedos de reforma política foram capazes de recuperar a legitimidade do
sistema, dos partidos e dos políticos. Dilma só conseguiu se reeleger porque
existia uma reserva de apoio difuso, advinda dos resultados dos governos Lula.
A crise de legitimidade atinge os dois pontos
nevrálgicos centrais do sistema político: a) a sua dimensão simbólica em face
da degradação moral da política; b) a sua dimensão material, pela cessação da
entrega de benefícios materiais por parte dos governos e pelos efeitos
negativos no emprego e nas condições de vida que a crise econômica provoca. A
legitimidade do Congresso não é melhor do que a de Dilma e os principais
líderes do PMDB – Temer, Renan e Eduardo Cunha – também se situam no patamar de
10% de avaliação positiva. A sorte do PSDB não é muito melhor.
A crise econômica também é complexa e tem
várias causas. A rigor, ela já vinha se estruturando no segundo mandato do
governo Lula. Além de causas mais remotas, uma das causas mais evidentes é a
crise fiscal. As crises fiscais, invariavelmente, têm deprimido as economias. A
crise fiscal se compõe de dois eixos: o primeiro, diz respeito a causas
estruturais e custos constitucionalizados. Nem os últimos governos e nem o
Congresso se dispuseram a enfrentar esses problemas. O segundo eixo se refere a
imprudência fiscal do primeiro mandato de Dilma e a má vontade de enfrentar o
problema no inicio desse segundo mandato. As incompreensões do PT e as
pautas-bomba da Câmara dos Deputados agravaram essa crise.
Mas a crise econômica se relaciona também com
30 anos de desindustrialização, à falta de um posicionamento do Brasil no
contexto global, à exaustão do binômio crédito-consumo e ao esgotamento do modelo
macroeconômico originado no Plano Real. O desenvolvimentismo de privilégios do
governo Dilma (concessões e empréstimos a juros subsidiados à setores do
capital, sem resultados efetivos), agravaram esse cenário.
Marina Silva e a Crise
Marina Silva adotou uma tática de baixo
protagonismo ante a crise política e moral, cujas labaredas queimam o PT, o
PMDB, o PSDB e outros partidos orbitais. Isto pode parecer um paradoxo em face
das possibilidades de intervenção que a crise política suscita. Mas Marina pode
estar certa em sua tática, pois intervir na crise significa intervir no vasto
lodaçal, no qual, poucas coisas sobrevivem. Marina procura preservar-se no
momento em que a Rede Sustentabilidade obtém o registro oficial.
É certo que Marina cometeu alguns erros
graves após o surpreendente sucesso nas urnas, nas eleições presidenciais de
2010. O primeiro, foi não apostar imediatamente e com força na construção do
novo partido. A prioridade do líder autêntico consiste em organizar suas forças
próprias para que ele possa ter autonomia de ação. Somente aqueles que têm
autonomia de ação lideram efetivamente. Assim, o agrupamento ficou de fora das
eleições municipais de 2012 e chegou às eleições de 2014 na condição de
subordinação ao PSB. Somente um acaso trágico permitiu que Marina se alçasse à
condição da candidata presidencial, mas com frágil autonomia por conta das
injunções do PSB. Mesmo assim, obteve um resultado eleitoral significativo.
O segundo erro foi a guinada à direita
promovida durante a campanha. O programa de Marina, em alguns temas centrais,
pouco se diferenciou do de Aécio Neves. Isto provocou desencanto em setores
progressistas e abriu o flanco para ataques pesados e exagerados do PT.
As circunstâncias da crise e os ventos da
Fortuna agora oferecem uma nova chance à Marina. Ela deverá chegar a 2018
preservada da devastação provocada pela crise. Estará no comando de sua força
própria – a Rede. Poderá acumular forças em 2016 se adotar a tática de lançar o
máximo de candidatos possível às eleições municipais, deixando as alianças para
o segundo turno.
A Rede poderá ser o desaguadouro do
descontentamento e da desventura de vários políticos e militantes.
Desventurados do PT devem migrar para a Rede. Descontentes do PSol sinalizam o
caminho da Rede. Na medida em que o PSDB de Aécio Neves se tornou o partido da
bancada da Bala, do Boi e da Bíblia, os remanescentes de ideias
social-democratas também poderão recorrer à Rede.
Mas para ter êxito, a Rede terá que encontrar
o seu lugar. Este lugar não poderá ser nem de centro (congestionado) e nem de
centro-direita (PSDB). Terá que ser de centro-esquerda, se é que essas
designações representam ainda alguma coisa. Poderá ocupar um espaço político e
social que, de alguma forma, foi do PT. Mas sem a roupagem e sem a retórica do
PT. Para ser significativa, a Rede terá que ser o partido do novo progressismo.
Enquanto organização, a Rede está mais próxima dos partidos burocráticos
tradicionais e mais longe dos novos partidos-movimento que surgem na Europa. A
agremiação não encontrou uma forma adequada de combinar a política vertical com
a política democrática horizontal. A Rede tem permitido que apenas os seus
fieis rezem em sua igreja.
Marina terá que decidir se quer ser a
encarnação de uma nova liderança política lastreada na exigência de um discurso
moral e humanista, ao mesmo em tempo que propõe e exige soluções práticas e
eficazes para os problemas sociais e humanos. Isto exige um novo discurso, a
retórica de uma nova esperança, uma crítica sem peias à desumanidade do capital
financeiro e às iniqüidades das desigualdades sociais. Exige uma crítica
qualificada a este capitalismo que está aí e que, no dizer do Papa Francisco,
representa uma “forma sutil de ditadura”.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/
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