segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Brasil: forças políticas em movimento e futuro

Enquanto o governo da Presidente Dilma segue na imprevisão da sobrevivência, dois fatos merecem registro: 1º) a oficialização da criação da Rede Sustentabilidade, da ex-ministra Marina Silva, provocando defecções em vários partidos (até no PSOL); 2º) o parecer favorável da Procuradoria Geral da República para que a Polícia Federal colha depoimento do ex-Presidente Lula, como testemunha, no âmbito da Operação Lava Jato. Neste último caso, mesmo que, até o presente, não exista investigação contra o ex-Presidente, trata-se de uma decisão incômoda ao governo, comemorada, por outro lado, por os que desejam a prisão do ex-mandatário. É mais um ingrediente de desgaste no tormentoso quadro que vive o governo federal. No tocante ao primeiro fato e os seus desdobramentos, tem-se a volta da ex-ministra Marina Silva à cena política nacional, com um protagonismo que não se via desde a sua derrota na eleição presidencial do ano passado. O que isso significará? Uma análise de todo esse processo, pela pena do Prof. Aldo Fornazieri, pode ser lida aí abaixo. 

Por Aldo Fornazieri
  
Entre as possibilidades de impeachment e renúncia e de não-impeachment e não-renúncia de Dilma, muitos acontecimentos imponderáveis e não previstos poderão e deverão ocorrer até 2018. Mas esta conjuntura crítica que caracteriza o atual momento histórico do Brasil é de longa duração e se define por dois elementos estruturantes: 1) a crise de deslegitimação do sistema e dos atores políticos; 2) a crise econômica. Não há nenhum indício de que estas duas crises, com suas imbricações e suas autonomias, tenham algum tipo de solução satisfatória até 2018, independentemente do desfecho da crise específica que atinge o governo Dilma.
No plano da crise política, o divórcio que existe entre a sociedade e o sistema político, entre os eleitores e os representantes, entre o povo e os governos tem causas complexas e é de difícil solução. Dentre outras causas está a percepção de que o sistema é estruturalmente corrupto, de que os partidos e os políticos colocam seus interesses próprios acima do bem público, de que os políticos e agentes públicos graduados se beneficiam de cestas de privilégios, de que o poder público arrecada muito e entrega pouco, de que os governos perderam capacidade e eficiência na entrega de bens públicos e políticas sociais e de que o sistema tributário e de subsídios beneficia a elite abastada da sociedade. Na medida em que o presidencialismo de coalizão é também um presidencialismo de barganhas, a crise fiscal exauriu os estoques de ativos concedíveis pelo governo, provocando a perda de apoio no Congresso.
O colapso de legitimidade do sistema político teve seu apogeu em junho de 2015 e de lá para cá o que houve foi mais degradação e degeneração e não recuperação ou refundação. Nem as eleições de 2014 e nem os arremedos de reforma política foram capazes de recuperar a legitimidade do sistema, dos partidos e dos políticos. Dilma só conseguiu se reeleger porque existia uma reserva de apoio difuso, advinda dos resultados dos governos Lula.
A crise de legitimidade atinge os dois pontos nevrálgicos centrais do sistema político: a) a sua dimensão simbólica em face da degradação moral da política; b) a sua dimensão material, pela cessação da entrega de benefícios materiais por parte dos governos e pelos efeitos negativos no emprego e nas condições de vida que a crise econômica provoca. A legitimidade do Congresso não é melhor do que a de Dilma e os principais líderes do PMDB – Temer, Renan e Eduardo Cunha – também se situam no patamar de 10% de avaliação positiva. A sorte do PSDB não é muito melhor.
A crise econômica também é complexa e tem várias causas. A rigor, ela já vinha se estruturando no segundo mandato do governo Lula. Além de causas mais remotas, uma das causas mais evidentes é a crise fiscal. As crises fiscais, invariavelmente, têm deprimido as economias. A crise fiscal se compõe de dois eixos: o primeiro, diz respeito a causas estruturais e custos constitucionalizados. Nem os últimos governos e nem o Congresso se dispuseram a enfrentar esses problemas. O segundo eixo se refere a imprudência fiscal do primeiro mandato de Dilma e a má vontade de enfrentar o problema no inicio desse segundo mandato. As incompreensões do PT e as pautas-bomba da Câmara dos Deputados agravaram essa crise.
Mas a crise econômica se relaciona também com 30 anos de desindustrialização, à falta de um posicionamento do Brasil no contexto global, à exaustão do binômio crédito-consumo e ao esgotamento do modelo macroeconômico originado no Plano Real. O desenvolvimentismo de privilégios do governo Dilma (concessões e empréstimos a juros subsidiados à setores do capital, sem resultados efetivos), agravaram esse cenário.
Marina Silva e a Crise
Marina Silva adotou uma tática de baixo protagonismo ante a crise política e moral, cujas labaredas queimam o PT, o PMDB, o PSDB e outros partidos orbitais. Isto pode parecer um paradoxo em face das possibilidades de intervenção que a crise política suscita. Mas Marina pode estar certa em sua tática, pois intervir na crise significa intervir no vasto lodaçal, no qual, poucas coisas sobrevivem. Marina procura preservar-se no momento em que a Rede Sustentabilidade obtém o registro oficial.
É certo que Marina cometeu alguns erros graves após o surpreendente sucesso nas urnas, nas eleições presidenciais de 2010. O primeiro, foi não apostar imediatamente e com força na construção do novo partido. A prioridade do líder autêntico consiste em organizar suas forças próprias para que ele possa ter autonomia de ação. Somente aqueles que têm autonomia de ação lideram efetivamente. Assim, o agrupamento ficou de fora das eleições municipais de 2012 e chegou às eleições de 2014 na condição de subordinação ao PSB. Somente um acaso trágico permitiu que Marina se alçasse à condição da candidata presidencial, mas com frágil autonomia por conta das injunções do PSB. Mesmo assim, obteve um resultado eleitoral significativo.
O segundo erro foi a guinada à direita promovida durante a campanha. O programa de Marina, em alguns temas centrais, pouco se diferenciou do de Aécio Neves. Isto provocou desencanto em setores progressistas e abriu o flanco para ataques pesados e exagerados do PT.
As circunstâncias da crise e os ventos da Fortuna agora oferecem uma nova chance à Marina. Ela deverá chegar a 2018 preservada da devastação provocada pela crise. Estará no comando de sua força própria – a Rede. Poderá acumular forças em 2016 se adotar a tática de lançar o máximo de candidatos possível às eleições municipais, deixando as alianças para o segundo turno.
A Rede poderá ser o desaguadouro do descontentamento e da desventura de vários políticos e militantes. Desventurados do PT devem migrar para a Rede. Descontentes do PSol sinalizam o caminho da Rede. Na medida em que o PSDB de Aécio Neves se tornou o partido da bancada da Bala, do Boi e da Bíblia, os remanescentes de ideias social-democratas também poderão recorrer à Rede.
Mas para ter êxito, a Rede terá que encontrar o seu lugar. Este lugar não poderá ser nem de centro (congestionado) e nem de centro-direita (PSDB). Terá que ser de centro-esquerda, se é que essas designações representam ainda alguma coisa. Poderá ocupar um espaço político e social que, de alguma forma, foi do PT. Mas sem a roupagem e sem a retórica do PT. Para ser significativa, a Rede terá que ser o partido do novo progressismo. Enquanto organização, a Rede está mais próxima dos partidos burocráticos tradicionais e mais longe dos novos partidos-movimento que surgem na Europa. A agremiação não encontrou uma forma adequada de combinar a política vertical com a política democrática horizontal. A Rede tem permitido que apenas os seus fieis rezem em sua igreja.
Marina terá que decidir se quer ser a encarnação de uma nova liderança política lastreada na exigência de um discurso moral e humanista, ao mesmo em tempo que propõe e exige soluções práticas e eficazes para os problemas sociais e humanos. Isto exige um novo discurso, a retórica de uma nova esperança, uma crítica sem peias à desumanidade do capital financeiro e às iniqüidades das desigualdades sociais. Exige uma crítica qualificada a este capitalismo que está aí e que, no dizer do Papa Francisco, representa uma “forma sutil de ditadura”.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/

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