Xico Sá não é só um senhor escritor e jornalista. Tempera
tudo isso com uma arguta ironia. É sarcástico. Pois bem, atento observador da
realidade contemporânea, escreveu um cortante texto a propósito das
tradicionais classificações das relações amorosas. E mirou o Facebook, num diálogo imaginário com Mark Zuckerberg, em função dos ‘status convencionais’ dessa rede. É que, identifica o Xico, 'nesta curta vida, o amor
tem faces várias'. Diversas e inclassificáveis formas de relação. Em
cerca de página e meia, atinou mais para a sociabilidade contemporânea do que
muitos sociólogos. A conferir o texto aí abaixo.
Por Xico Sá
Curtir ou não curtir,
converso aqui com meus botões, é o de menos, caro Mark Zuckerberg. O que importa é o status
amoroso, ainda muito pobre de opções diante dos vínculos e sentimentos
fragmentados dos nossos dias.
Não
adianta apenas chorar o amor líquido que escorre pelo ralo. Temos também que
tirar uma buena onda do atual estadão das coisas. As opções
existentes –solteiro, casado, noivo, divorciado, viúvo etc– são válidas, mas
ainda estão muito ligadas aos tempos católicos do “até que a morte vos separe”.
Yes, Mr. Zuckerberg, o “estou em um relacionamento
aberto” já foi um belo avanço do seu Facebook. O “relacionamento complicado” idem, oferece
humor para quem não cai no conto de transformar a rede social em um novo e
falso paraíso.
Cá
com os meus botões, caríssimo Zuckerberg – ainda tão jovem e tão calouro no
amor –, deixo sugestões de novos status:
Estou
em um rolinho primavera – Ideal
para os amores rápidos e circunstanciais da estação que começa na próxima
quarta-feira, 23, aqui no trópico dos pecados, caro professor Ronaldo Vainfas. Evidentemente uma homenagem à clássica iguaria
da culinária chinesa. Com o molhinho vermelho agridoce tão amado pelas fêmeas.
Estou
em poliamor – Com a cama na
varanda, como diria minha amiga escritora Regina Navarro Lins, brava defensora
da possibilidade de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Será?
Love
me Tinder – Vale pela
paródia, trocadilho infame e ironia ao clássico de Elvis: “Love me
tender, love me sweet/ Never let me go...”Tudo aquilo que o aplicativo de
encontros não contempla.
Até
que a próxima polêmica nos separe – Ideologia,
eu quero uma pra viver. Você sabe, como no repertório de Cazuza, que o seu
partido é um coração partido, e que a posição política do(a) outro(a) pode
representar uma ruptura. Um simples post que
você não curta pode ser fatal, todo cuidado é pouco. Nem sempre o amor, longo
ou passageiro, é curtível.
Estou
em um relacionamento noivo neurótico, noiva nervosa – Vide filme de Woody Allen. Pronto.
Estou
em um relacionamento de fachada – Só
a falsidade impera, teatro, puro teatro. Como canta o meu ídolo Márcio Greych:
“Aparências nada mais/ sustentaram nossas vidas...”.
Estou
em um relacionamento fala sério – Quando um dos dois se pergunta: posso chamar
isso de relacionamento?
Estou
em luto amoroso, não perturbe – Respeitável
fase de transição sem a qual não se cura de um relacionamento que se foi. Quem
a desconsidera se estrepa, sopra aqui meu boneco mamulengo de Freud de boteco.
Acabei
de levar um pé-na-bunda – Assumir
a derrota amorosa, em vez de fingir que tudo é curtível e lindo nessa vida, é
um avanço e tanto. Aconselho. Só a lama cura.
Estou
em uma ressaca moral dos diabos – Depois
dos 40, a ressaca, mesmo que não seja de fundo moral, vira uma dengue
existencialista, algo paralisante etc. E naqueles dias seguintes que você
postou ou mandou uma mensagem derramada para o(a) ex na madrugada? Sem
comentários.
Estou
em um relacionamento com um homem casado – Ele diz que nem dorme mais na mesma cama com a mulher dele etc.
Aquele lengalenga todo que você bem conhece. E tudo continua
na mesma por meses, anos etc. A gente vai levando essa vida?
Estou
em um relacionamento com uma mulher casada – Donde ela pede um sinal de confiança mínima para largar o desalmado.
Donde você, macho suspeitoso, não se garante. Durante os drinks e os encontros,
banca o maior fodão, no dia seguinte mia felinos e ronronantes mimimis neuróticos
de um gatinho covarde.
Estou
em um relacionamento? O status quo da dúvida absoluta desses
tempos modernos, caríssimo Zuckerberg. Coisa que você, um inventivo, certinho e
afortunado garoto nunca se perguntaria na vida. Sempre achei bonito o seu amor pela Priscilla Chan.
Fofolândia“marlinda”. Saiba, porém, amigo, que existem
inclassificáveis e malucas formas de amar nessa curta vida nem sempre curtível.
Um beijo do velho cronista preocupado com o amor nos tempos tecnológicos.
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Fonte: http://brasil.elpais.com/
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