Por Atila Iamarino
Não é
novidade que estamos em uma crise financeira das bravas. E a ciência foi pega
pelo colarinho nessa, agências de pesquisa com verba cortada, universidades sem financiamento, etc. Nos corredores da USP –
não sei das universidades fora de São Paulo, mas imagino que não seja melhor –
o clima é de derrota. Bolsas de pesquisa novas não saem, bolsas já concedidas
aos departamentos não são renovadas e os projetos de pesquisa, se aprovados, só
com sérias restrições orçamentárias. Isso enquanto o dólar dispara do outro
lado, fazendo com que cada meio real aprovado valha menos. Imagine que uma
demora de alguns dias de uma cotação de equipamento é o suficiente para
inviabilizar uma compra que não era opcional. Isso quando o dinheiro vem.
Pelo menos,
ainda estamos na fase da derrota, não do desespero. Ainda. O desespero vem
quando o maior número de doutores já formado se deparar com um mercado de
trabalho em crise e sem demanda nenhuma por mão-de-obra tão capacitada, órgãos públicos sem novas
vagas e impossibilitados de abrir concurso e uma possível obrigação de
permanecer alguns anos no país, depois de uma bolsa no exterior com essa
obrigação. Pelos menos os jornalistas demitidos não se sentirão mais como os
profissionais mais bem formados e mal pagos do mercado. Mas, como disse, parte
da culpa pelo que está acontecendo é nossa.
Em uma crise
onde os gastos públicos precisam ser cortados a qualquer custo, por onde o
governo começa? Serviços não essenciais, gastos exorbitantes, assessores e privilégios de gabinete
desnecessários? A não ser que você queira acabar com qualquer chance de
eleição, se começa pelo que perde menos apoio político e menos votos.
E é aqui que o ostracismo acadêmico nos condena. Se o governo quiser fazer cortes agressivos sem incomodar nenhum eleitor,
a ciência é um alvo ridiculamente fácil.
Pare qualquer
transeunte na rua e pergunte o que muda na vida dessa pessoa se a pesquisa
brasileira deixar de ser financiada e conte quantos serão capazes de dar alguma
resposta. Pergunte o que ele acha que um professor ou um pesquisador faz dentro
da universidade. Ou em quais áreas o Brasil é líder em pesquisa. Ou pelo
menos em quais áreas somos fortes. O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) perguntaram exatamente
isso e descobriram que 87% dos brasileiros não lembram o nome de uma instituição de pesquisa.
Uma. E 94% dos entrevistados não sabiam o nome de um(a) pesquisador(a)
brasileiro(a), o pior resultado desde que a pesquisa começou. E
o 8º cientista brasileiro nomeado foi… Albert Einstein. Isso
porque a maior parte dos que responderam se disseram interessados por ciência.
A universidade
ainda é um espaço para privilegiados que conseguiram ingressar.
Não é um espaço popular [pelo menos tradicionalmente
em muitos cursos; embora nos últimos anos alguma mudança tenha ocorrido] . E,
mesmo assim, não são as vagas de graduação que estão sendo cortadas, embora
não duvide que a situação chegue a esse ponto. O maior destaque que a USP,
universidade que mais publica pesquisa no país, recebeu na imprensa
recentemente foi justamente como seriam exorbitantes os salários de seus professores. Que
empatia pública isso gera?
No Workshop ‘Comunicação e Pesquisa’, realizado este ano, que não poupou
elogios sobre a importância e o prestígio da USP, o jornalista de ciência
Marcelo Leite apontou o que vê como as maiores dificuldades para o
jornalismo científico ter acesso à pesquisa da universidade. Quando destacou
que, com dois cliques nas páginas de Harvard, conseguia achar o nome e telefone de um dos biólogos mais prestigiosos
da atualidade, E. O. Wilson – na verdade, só precisei
escrever E O Wilson Harvard no Google e
achei o link no primeiro resultado. E se um jornalista ligar para
aquele número, Wilson atende e está disposto a dar entrevista. Enquanto o
Portal da USP atrapalha mais do que ajuda. O que Marcelo Leite não citou é
o incentivo que motiva a diferença: pesquisadores americanos dependem dessas entrevistas para ter verba para
pesquisa. Aqui no Brasil, pelo menos até os dias atuais, nós não dependemos. Enquanto o pesquisador americano
depende de várias fontes de financiamento que muitas vezes são incentivadas
pelo destaque que ele tem na mídia, cientistas brasileiros são julgados pelo
quanto e onde publicam, ou até pelo número de alunos que formam. Mas
ninguém é julgado pelas atividades de divulgação científica que faz. O
resultado é que, para o cientista brasileiro, dar entrevista é literalmente perda de tempo (a
curto prazo, vamos chegar nas consequências logo mais); tempo que se for
investido gerando dados, gerenciando alunos ou escrevendo publicações seria
convertido em verba para as pesquisas.
Ao longo dos
tempos, vivemos a situação cômoda de ter um orçamento público garantido que não
demandava nenhuma satisfação a respeito de atividades, além de projetos bem apresentados, gastos regulares
e publicações científicas. Note que os três são fundamentais, mas nossas obrigações dialogam só com duas parcelas de interessados, a parte
política, através das agências de fomento, e os outros cientistas, através das
publicações. Nenhuma das duas envolve quem desembolsou o dinheiro: o
público. Nos contentamos com o prestígio dos pares. O
resultado é que raramente o público é informado sobre o que financia. Não sabem o que se passa dentro da universidade, porque financiam
pesquisa e a compra de equipamentos caríssimos, entre outros.
A NASA é um
ótimo exemplo da importância da divulgação científica. Dependem de verbas [os
pesquisadores] colossais para qualquer coisa. E a maior parte desse
financiamento é público. Ou seja, precisam de apoio. Por isso mesmo fazem tanta
divulgação da pesquisa que desenvolvem, convidam a imprensa para fazer
estardalhaço a cada descoberta. O público americano sabe por
que está financiando a NASA.
Tão importante para a SBPC
quanto escrever manifestos e cartas pedindo o aumento do investimento em pesquisa é falar para o
público o quão importante a pesquisa é. Precisamos falar sobre ciência, explicar o que é a pesquisa, fazer
divulgação, dar entrevistas, fazer vídeos, contar histórias sobre o que queremos defender. Se eu consigo falar com 1 milhão de pessoas no
YouTube, não é possível que as universidades não possam fazer o
mesmo. Agir para ter o apoio e reconhecimento popular é tão importante quanto
cobrar mudanças políticas. Ou são as Olimpíadas que estão sofrendo corte de
verba?
A Dilma sabe
qual a importância da pesquisa e do prejuízo futuro de acabar com a pesquisa
nacional (espero). Os outros cientistas e acadêmicos sabem o prestígio que a
pesquisa tem.
Lembre-se:
87,2% não sabem nomear uma instituição de pesquisa.
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Fonte: http://scienceblogs.com.br/