segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Retiro e solidão: carta do deserto


Por Leont Etiel

Agora o que sou é o labirinto presente daquilo que fui. Recordo os fios da credulidade que teciam as coisas de cada manhã. A memória quase me transporta para um cenário que não posso vivenciá-lo senão pelas frestas das esquinas dos vislumbres. Está tudo tão distante. E ao mesmo tempo tão presente.
Nesta fuga de mim, verti lágrimas da incompreensão, espremidas, quase imperceptíveis. Disfarçadas pelo ato de apertar os olhos. Nunca usei lenço, e assim as enxugava com a mão direita, enquanto a esquerda suspendia os óculos. Ocupar as duas mãos é uma forma de tentar se livrar da angústia – ou pelo menos disfarçá-la. Mas a  fuga do que nos acompanha é quase inútil. Está tudo ali, à espreita, para, numa primeira oportunidade, pular das camadas ocultas do pensamento, fazendo balançar as paredes da memória.
Neste autoexílio mental, as queixas que tenho a fazer dizem respeito apenas a mim. Talvez a solidão deste deserto apenas infirme o que, à partida, as metafísicas, com a ideia de um princípio primeiro, procuram propagar. A crença num postulado teleológico a brandir a bondade humana. Do inverso, desde sempre, já se desconfiava. Não tenho contas a fazer dos fatos pretéritos. Eles fazem as suas contas por si em mim.
E cada vez que escuto o balbuciar do vento nas areias deste deserto,  o que faço é relembrar daqueles fios que outrora me davam (alguma) certeza. Diferente em tudo deste presente momento instante, de vida comovida e coração frágil. Agora o que sou é o labirinto do que eu fui. Ainda ressoa em meus ouvidos os estilhaços do espelho liso da impostura sendo quebrado pelo grito lúcido e solitário da razão. Mas daí não necessariamente decorre estabilidade ontológica. Muitas vezes, mais sofrimento.
Olho distante para este retiro. É tudo tão cinzento!. Não consigo enxergar os fios de hoje. Falta provavelmente credulidade para as coisas das manhãs que agora se levantam. Mover-se no vazio, é o que se apresenta. Está tudo aqui, porém, o ontem e o hoje, a memória que se carrega, fazendo curvas para se desviar do que, de chofre, surge, para dizer que não se foge de quem se é. A solidão que nos acolhe e que nos devolve. Cada um tem o seu deserto. A questão é entender o eco dos seus ventos.  



Nenhum comentário:

Postar um comentário