O Laboratório de Práticas de Pesquisa da UniCarioca acaba de realizar uma investigação que tem chamado a atenção e alcançado grande repercussão entre os pesquisadores em educação, dado o tema que focou e os resultados aos quais chegou, isto é, a 'corrupção estudantil'. Essa denominação tem sido bastante reproduzida pela imprensa ao divulgar as conclusões da pesquisa. O que foi constatado é factíco, mas, a bem da verdade, talvez a designação que calharia mais representativa do fenômeno estudado fosse 'corrupção escolar' (incluindo aí também a universidade), envolvendo alunos desde a escola básica até a pós-graduação, assim como determinados professores - seja diretamente ou por via da cumplicidade. Nesse mercado da trapaça, as mercadorias são diversas: cola, plágio, assinar lista por outro (falsidade ideológica, é o nome desse crime), troca da avaliação por outra coisa que nada tem a ver com a averiguação do rendimento relativo aos conteúdos, venda de trabalhos... Se isso de modo geral já é grave, imagine você em cursos de formação de professores! Mas, mesmo com essas práticas, ainda poder-se-á encontrar alguém espumando palavras em torno da "educação libertadora" e seus teóricos. Ou também ouvir-se gritos inflamados contra a corrupção no país, "dos políticos lá de Brasília"! Que nada! Lorota! É mais uma daquelas situações em que se pode aplicar o que Sartre, na peça 'Entre Quatro Paredes', cunhou como 'o inferno ser os outros'. Nunca se reconhece a 'responsabilidade interna', ela está sempre lá fora, nos outros. Um misto de patologia e cinismo. É um caso, ao mesmo tempo, para a psicanálise (aos que apreciam) e para uns dois litros de óleo de peroba. Aí abaixo, os resultados da referida pesquisa, assim como o texto que desencadeou a sua realização.
Por Antônio Gois
Em junho deste ano, um doutorando da UFMG que começou a dar aulas na graduação da universidade fez um post em seu blog pessoal (veja aqui) relatando sua frustração com o que chamou de postura corrupta enraizada nos alunos e na comunidade acadêmica. Mesmo num ambiente universitário, estudantes abusavam de recursos ilícitos como colar nas provas, copiar trabalhos e assinar lista de presença em nome de outros. Boa parte dos jovens, dizia ele, não era movida pelo desejo de conhecimento. Sugestão de livros, exercícios, trabalhos... tudo isso só fazia sentido para os alunos se houvesse algo em troca, no caso, pontos na nota final para facilitar a aprovação na matéria.
Inspirada por esse post, a coluna sugeriu ao Laboratório de Práticas de Pesquisa da UniCarioca que investigasse, na cidade do Rio, a ocorrência desses comportamentos em sala de aula. A sugestão, prontamente aceita pela instituição, deu origem à pesquisa Pequenas Infrações nas Salas de Aula, que ouviu em agosto 1.100 cariocas, a grande maioria deles estudantes dos ensinos médio e superior com idades entre 16 e 30 anos.
A maioria dos respondentes (58%) admite, por exemplo, que já pediu a colegas para colocar seus nomes em trabalhos de grupo mesmo sem ter contribuído com a realização dos mesmos. Outros 74% dizem que já fizeram isso em favor de outro colega.
De vez em quando, a opinião pública se choca com imagens de deputados em plenário assinando presença em nome de outros colegas. Mas a prática é comum também nas escolas, tendo sido admitida por 59% dos respondentes na pesquisa.
Do ato individual de colar numa prova ao de desviar milhões de cofres públicos vai uma distância gigantesca. Mas a correlação entre a frequência de pequenos desvios éticos no ambiente escolar e a grande corrupção existente numa sociedade que parece não ser tão espúria assim. Em 2013, a pesquisadora Aurora Teixeira, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, publicou na revista científica “Journal of Academic Ethics” estudo baseado numa amostra de 7.602 alunos de economia e administração de 21 países (o resumo pode ser lido aqui). Ela identificou que a prática de colar em provas nesses cursos universitários variava muito entre países (o Brasil, infelizmente, estava entre os maiores percentuais da lista) e que havia alta correlação entre essas taxas e indicadores gerais de percepção de corrupção nas sociedades analisadas. Para ela, a “reprodutibilidade e a persistência ao longo do tempo de comportamentos desonestos mostram que é perigoso ignorar as trapaças num ambiente acadêmico."
Voltando ao levantamento da UniCarioca, ao fim, os pesquisadores perguntaram aos entrevistados quais seriam os responsáveis pelas práticas de corrupção em sala de aula. Apenas 41% disseram que os culpados eram os próprios alunos. A maioria apontou para outros atores: o professor ou instituição acadêmica que não estimulam a aprendizagem; o sistema educacional que precisa ser modernizado, ou mesmo a falta de investimento do governo no ensino. Também na educação, o inferno são os outros.
A prática de copiar textos da internet e de outros autores e apresentá-los ao professor como seus foi admitida, em maior ou menor frequência, por 68% dos entrevistados.
Colar na prova é ainda mais frequente: 69% dizem que já utilizaram esse artifício para ter melhores notas.
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COMO É DAR AULA NO ENSINO SUPERIOR E A
CORRUPÇÃO NA UNIVERSIDADE
Por Rodrigo Botelho
Ribeiro (UFMG)
Pensei
em escrever um texto crítico e formal a respeito da educação e da sociedade.
Mas dizer que a educação é a salvação já ficou meio fora de moda. Portanto,
acho melhor apenas contar pra vocês como é dar aula. Lembrando que este texto
não é uma crítica à profissão. É apenas uma exposição das frustrações diárias e
um apelo a uma mudança urgente de postura, não só dos alunos, mas da sociedade
como um todo. Aqui mostro como a postura corrupta está enraizada nos
alunos e já virou parte da comunidade acadêmica.
Antes, uma pausa
para minha relação com a profissão. Particularmente, gosto muito de ensinar.
Gosto de matemática e gosto de entender matemática. Passar adiante minhas
paixões é algo que faço por amor. Nunca houve problema sério o
bastante para não desaparecer diante do quadro, dos alunos e sobre o tablado.
Dar aula e pensar a respeito de matemática apagam, momentaneamente, claro,
todos os meus problemas.
“FAZ PROVA FÁCIL!”
Minha felicidade
se esvai diante das avaliações, dos comentários, da falta de compromisso dos
alunos. Ouve-se mais “alivia aí, fessô!” do que “bom dia”, “boa
tarde” ou “boa noite.” Há liberdade para chorar, mas não há liberdade para a
educação e cortesia.
“VALE PONTO, FESSÔ?”
Em
sua maioria, aluno não faz nada sem receber algo em troca. E a moeda de troca é
chamada de ponto. A única motivação é o ponto. Sugestão de livros?
Só valendo ponto. Lista de exercícios? Só valendo ponto. Fazer pelo
conhecimento é ser taxado de idiota.
TRABALHOS E LISTAS
Tudo copiado. A
cópia é quase sempre nítida. Conjecturo que numa turma de k alunos,
apenas realmente fazem
os trabalhos, enquanto todo o restante apenas copia dos colegas.
Pai Rodrigo
adivinhando o futuro: Esse aluno que só copia vai
taxar de vagabundo moradores de rua. Vai dizer: “emprego tem demais, basta
querer!”
AULAS DE EXERCÍCIOS
Durante
aulas de exercícios, ninguém faz nada. O pedido geral é um resumão bem estilo
pré-vestibular. Melhor ainda se você dar dicas do que cairá na prova (e pensar
que nem assim os resultado são bons.) Gente pra gritar “faz um
resumão aí, fessô!” Nunca falta. Você dá aula por meses antes de
avaliação e aí lhe aparece vários que não prestaram atenção em nada, mas
no dia da aula de exercícios eles aparecem lá só pra gritar a frase anterior ou
pra escolher um exercício aleatório que sequer tentaram. Qual a razão de
dar aula se no fim é dado um resumo mágico que abre todas as provas e desvenda
todos os segredos?
LISTA DE PRESENÇA
Como aluno,
confesso, nunca gostei de ir às aulas. Sempre preferi estudar sozinho. Assim
poderia estudar durante a madruga, horário que sempre fui mais produtivo.
Nunca tive problemas com chamadas. A aprovação era minha absolvição. Por
conta disso, a única postura que adotei como professor foi a de passar uma
lista de chamada e reprovar por infrequência apenas aqueles que não obtiveram
60 pontos. Ou seja, não precisou ir à universidade para ser aprovado? Parabéns,
campeão.
A regra da UFMG é
reprovar aluno infrequente. Tenha ele a pontuação necessária para sua aprovação
ou não. Portanto, estou isentando o aluno de um dever: frequentar a
universidade. Qual o resultado? Alunos assinam as listas pelos colegas. O
sujeito foi livrado de um dever, mas ele não quer dar nada como
contra-partida. Ele ainda quer o direito de, caso reprovado na pontuação, fazer
o exame especial.
Nem
vou comentar que assinar um documento em nome de outra pessoa é crime.
Tem até nome: falsidade ideológica.
Logo, se o
professor deseja ser rigoroso com a lista de presença, ele deve chamar nome a
nome, como lá nos tempos da escolinha infantil Girafinha Feliz.
Pai
Rodrigo adivinhando o futuro: Esse mesmo aluno
que pede pro colega assinar a chamada, acha um absurdo o médico que só bate
ponto e vai embora. Vai reclamar também do deputado que estava batendo dedo lá
pro outro. Vai postar lá na timeline “É um absurdo!”
PROVAS E COLAS
Esta é a pior
parte e a maior prova de que ninguém se preocupa com educação. Durante os meses
de aula, o aluno não fez nada. Porém, chegada a prova, não foi possível estudar
todo o conteúdo ou simplesmente não estudou mesmo. Qual o recurso utilizado?
Cola. A pessoa não cumpriu com suas obrigações como aluno, nada fez até o
momento da prova, porém ele ainda quer obter bom resultado. Apesar de
totalmente irresponsável, o aluno ainda acha plausível apelar para a cola.
Ainda quer uma boa nota. Isso é o absurdo dos absurdos. A incoerência da
incoerência.
Existem ainda
casos mais absurdos. Aqueles que os alunos pagam outros para fazer a avaliação
em seus lugares (preciso lembrar que aqui também se comete crime?). Chegamos ao
ponto ridículo de precisar olhar documento dos próprios alunos por conta dessa
atitude patética. Isso é literalmente comprar o próprio diploma. É ridículo
querer o diploma mas não querer fazer nada.
Pai
Rodrigo adivinhando o futuro: O aluno colador,
que hoje é engenheiro porque pagou gente mais esperta que ele pra se
formar, vai gritar “Abaixo a corrupção!” aqui na porta de casa. Ele também vai
compartilhar um monte de reportagem sobre escândalos de corrupção e vai
dizer que esse país não tem jeito.
O ALUNO, O PATRÃO E O FUTURO
Enquanto
considerou coisa de otário estudar quatro horas por dia, o aluno corrupto vai
gastar 12h do seu dia, muito possivelmente, fazendo dinheiro pra outra pessoa.
Ele não vai chegar pro chefe “alivia aí, chefe!”, “quebra essa aí, patrão!”
porque ele sabe o destino de empregado molengão: rua. E ele vai dar duro,
porque, ao contrário da educação superior, valoriza o emprego que tem. Sua
timeline estará repleta de links contra a corrupção na política, contra desvio
de verbas, enquanto continua perpetuando que colar não tem problema, assinar
lista é “de boa” e pagar para fazerem suas avaliações é coisa de esperto. E
assim continuaremos sendo essa sociedade que ainda não entendeu o valor
moral e intelectual da universidade, pelos séculos dos séculos…
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Fontes: http://blogs.oglobo.globo.com/ e https://rbribeiro.wordpress.com
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