Mauro Shampoo foi um atacante do Íbis, clube do
Recife conhecido pelo título de ‘pior do mundo’. Shampoo vestiu a camisa do
clube por cerca de dez anos. Claro, tinha a função de fazer gols. Ao longo de
uma década, contudo, não foi, digamos, muito exitoso em sua missão: fez... um
gol apenas. E sobre o qual há controvérsias se não estava fora de jogo. Além
disso, o dia do único gol de Shaampoo não é de boas lembranças - o Íbis foi derrotado por 8 a 1 pelo
Ferroviário. Pois bem, o recuerdo do “caso Shampoo” veio-me a lume numa
conversa com amigo da UFPE, em analogia ao modo como o governo-lulismo (Jacques
Wagner à frente, além do próprio ex-presidente da República) procurou costurar
uma ‘acordo de salvação’ com o
presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (se é que a tentativa não continua
em curso). A cada dia, o tipo afunda-se ainda mais no mar de lama da corrupção,
mas, mesmo assim, o lulismo resolveu jogar-lhe um balsa de salvação, em troca
de um suposto acordo para ele não dar sequência ao impeachment da presidente
Dilma. Isso é que é ter dificuldade de
fazer gol! No momento em que o adversário encontra-se fragilizado, e se pode organizar
a jogada para derrotá-lo, passasse-lhe, contudo, a bola ele. Mas, não é só isso
– o gol. É a também a renúncia (cada vez mais sem medida) de escrúpulo
ético-político, conforme o modus operandi
da senil “esquerda” carcomida e populista: o cochicho de bastidores, o jeitinho,
o conchavo, etc. Apanhados no flagra, e criticados por petistas como Tarso
Genro, os “próceres” do lulismo fizeram inversão de marcha e passaram a negar o
que os fatos atestavam. A analogia com Mauro Shampoo não chega aí – fica só pela
dificuldade de fazer a bola chegar às redes adversárias. Em Shampoo, hoje
cabeleireiro em Boa Viagem, sobra franqueza. Falta disposição e capacidade de
intervenção ao lulismo e ao PT sob seu comando para gerir e superar a crise.
Não surpreende. Além da “traquinagem da realpolitik,
trocou-se a formação qualificada para a leitura dos movimentos entre conjuntura
e estrutura pela “maruagem” do lero-lero dos bastidores. Cenário desolador. Noutro
ponto, há segmentos da extrema esquerda vociferando um palavreado sectário que,
no fundo, fica em ‘águas de bacalhau’. Num quadro assim, vale a leitura aí
abaixo da lúcida entrevista do Prof. Aldo Fornazieri, que, de resto, identifica
as ‘vinhas da ira’ dos desestabilizadores da democracia brasileira.
Brasília: Palácio do Planalto em disputa |
Entrevista com Aldo Fornazieri (Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo)
Por RBA – Rede Brasil Atual
Quanto dessa crise pode estar vindo de
uma manipulação midiática?
A crise atual tem alguns aspectos complexos. Em primeiro lugar, existe
uma crise ética no Brasil por conta dos escândalos na Petrobras. Aprofundou-se
na sociedade a ideia de que toda estrutura política é corrupta e de que os
partidos não têm legitimidade, nem as instituições. Existe também uma crise
política, que tem muito de artificial, porque é evidente que o governo Dilma
cometeu erros, porém, a partir desses erros, a oposição, particularmente Aécio
Neves (PSDB-MG), inconformado com a derrota, quer a presidência a qualquer
custo. Ele está insuflando uma crise artificial.
Essa crise envolve dois movimentos. O primeiro é a ação do PSDB no TSE
querendo cassar a chapa Dilma-Temer para ter uma nova eleição. O segundo é o
processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Essas questões são
artificiais. E elas decorrem de uma luta pelo poder sem escrúpulos, na medida
em que não existe um fundamento legal para ter um impeachment, e na medida em
que o próprio TSE havia aprovado as contas da Dilma.
Junto de Aécio estão outros líderes da oposição, está o próprio Gilmar
Mendes, que se tornou um conspirador, e aparentemente o próprio Augusto Nardes,
do TCU, porque entendo que as questões das pedaladas fiscais são um problema
que tem de ser corrigido, mas na medida em que FHC e Lula as praticaram, o TCU
deveria ter feito um termo de ajustamento de conduta dizendo 'Olha, até agora
vínhamos tolerando as pedaladas fiscais, mas de agora em diante não vamos mais
tolerar'. E fazer com que o governo assumisse o compromisso de não praticar
mais. Senão, você comete uma injustiça.
Então, por isso, há esses atores que estão criando uma crise artificial,
que provoca instabilidade política e incertezas quanto ao futuro, com
consequências graves na economia: empresas se endividam mais por conta da
elevação da taxa de câmbio e têm de fechar diante de toda a incerteza. Isso vai
criando desemprego.
Entendo que esses atores aí, Aécio Neves à frente da oposição, ministro
Gilmar Mendes e Augusto Nardes estão provocando um desserviço ao Brasil. Estão
conspirando não apenas contra o governo, mas contra o país, porque as
consequências dessa crise política artificial na economia são graves, e quem
mais perde é o povo, os trabalhadores.
Como o sr. vê a questão do presidente
da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vinha como paladino da moralidade,
agora está em uma situação ruim, com as provas contra ele que surgiram na
operação Lava Jato. Ele tem condição moral de continuar o processo de
impeachment?
Condições morais ele não tem, mas existe uma cruzada moral imoralista.
Lideres corruptos querem se apresentar como paladinos da moralidade, e o
Eduardo Cunha é um desses. No entanto, ele tem a prerrogativa constitucional de
dar encaminhamento a um pedido de impeachment. E ali há setores da oposição e
setores do governo que não se pronunciam a favor da retirada dele. Por exemplo,
a própria bancada do PT, mais de 20 deputados assinaram o pedido de abertura de
processo na comissão de ética, mas o líder do PT, Sibá Machado, disse que não
vai se pronunciar pela saída do Cunha. Então, tem todo um jogo de negociatas, e
Eduardo Cunha se aproveita disso para fazer barganhas junto ao governo e
barganhas junto à oposição. Porque, no fundo, a única coisa que Cunha quer é
salvar sua pele e seu mandato de presidente e parlamentar, que correm riscos
porque houve uma flagrante violação do decoro parlamentar na medida em que ele
mentiu na CPI da Petrobras. Declarou que não tinha contas no exterior e agora
foi comprovado. Isso não é mais denúncia, isso é comprovação. O MP da Suíça comprovou
que ele tinha contas naquele país.
Nesse cenário, as elites jogam contra
os interesses do país; por exemplo, estão interessadas em mudar a lei de
partilha do pré-sal, querendo entregar as riquezas para as multinacionais. Como
o sr. vê isso?
Há um jogo de interesses. A política no Brasil, e com esses partidos que
estão aí, tornou-se um grande negócio. Os partidos dependem de financiamento de
campanha e os políticos ganham dinheiro, como se mostrou nessas negociatas da
Petrobras. Isso vale tanto para os partidos do governo, como para a oposição.
Na medida em que a política se tornou um grande mercado de corrupção,
esses interesses trafegam pela política. No impeachment, há interesses
econômicos por trás. O fato é que a política brasileira precisa ter uma
renovação radical, porque ela está em uma descrença completa. As instituições
não estão legitimadas.
A presidência tem uma avaliação positiva de 10% e o Congresso também. Os
partidos, 10%. Você vê que há uma deslegitimação das instituições. O dramático
de tudo isso é que diante dessa crise artificial não se vê um movimento no
sentido de fazer uma reforma política séria, de separar as negociatas. Quem é
amigo hoje vira inimigo amanhã e vice-versa. A população fica sem referências
políticas e morais diante da política que virou um sistema de degradação moral.
Mas o STF se manifestou contra o
financiamento de campanha por empresas. Já em 2016, não será possível esse tipo
de recurso para os candidatos. Como o sr. vê isso?
Acho positivo. O STF passou a legislar, embora de forma indesejável,
porque quem deveria fazer uma reforma política é o Congresso, mas na medida em
que o Congresso não funciona, virou uma casa de negociatas políticas e de
tráfico político, o STF passa a legislar de certa forma ferindo o próprio
princípio republicano de separação de poderes. Infelizmente, essa é a situação.
O STF, em grande medida, esta substituindo o Congresso no que diz
respeito à legislação, particularmente a política e eleitoral. Infelizmente, o
país está mergulhado nessa crise de não funcionalidade de suas instituições
republicanas.
Por que o sr. acha que o país chegou a
essa crise institucional?
Os motivos são variados e profundos. Desde o fato de que os partidos se
acomodaram em um sistema de benefícios econômicos próprios, de administração de
seus interesses, eles são financiados pelo setor empresarial, capturados pelo
poder econômico e, por outro lado, também tem recursos do Estado. Então, os
partidos viraram um sistema de negócios, pois capturam dinheiro do setor privado
e capturam dinheiro do setor público.
Pelas denúncias você vê parentes de políticos financiados e assim por
diante. A política virou um grande negócio. Enquanto não se fizer uma reforma
política que bloqueie a mercantilização da política, vamos continuar nesse
sistema.
E que medidas o sr. defenderia para
complementar a proibição pelo STF do dinheiro de empresas nas campanhas?
Bom, vejo que o fato de se estabelecer a proibição do financiamento
privado não necessariamente indica que não haverá caixa dois. Tudo indica que
vai. Então, o que tem de fazer é punir. Aparentemente, começamos um mínimo
sistema de punição das elites por meio da Lava Jato. Tem vários empresários na
cadeia e alguns políticos também. É preciso abrir as portas das cadeias para os
políticos corruptos entrarem. Assim, você vai acabar com a corrupção alimentada
pela impunidade.
Tem um artigo seu no portal GGN no qual
o sr. fala que a crise se estende até 2018...
Não tem perspectiva. Continuando a Dilma, ela será um governo fraco e
substituindo, aparentemente a crise se agrava. Então, digo que a Dilma é um mal
menor. Tirá-la agravaria a crise. Acho que os setores democráticos não
aceitariam um golpe, pois o impeachment, no meu ponto de vista, agora é um
golpe.
Na época da UDN, ela [a oposição golpista] era chamada de vivandeira dos
quartéis, pois ela vivia chorando na frente dos quartéis pedindo para que os
militares interviessem. E agora temos as vivandeiras dos tribunais. Aécio e sua
turma são isso. Querem que os tribunais substituam a vontade do povo que foi
sacramentada nas urnas.
O sr. concorda que estamos vivendo o
terceiro turno há um ano?
Nem é terceiro turno, pois é um golpe. É um inconformismo de Aécio Neves
que é uma pessoa aparentemente dotada do sentimento de egoísmo, do poder pelo
poder, de uma ambição absurda, e de uma pessoa que não se conforma pelos
resultados ditados pelo povo. É um elemento perigoso para a democracia brasileira.
Nessa crise institucional, não
estaríamos vivendo uma falta de liderança?
Com certeza, um dos aspectos da crise atual é a completa falta de
liderança. Por que existe essa falta de liderança? Em primeiro lugar porque os
partidos estão degradados. Eles brigam não por interesses do povo, mas por
interesses próprios. O interesse particular dos partidos e dos políticos foi
posto acima do interesse do bem público. Só há lideranças autênticas quando
elas lutam pelo bem público.
Então, esse é o elemento base. A corrupção de princípios, a corrupção
financeira e moral, elas degradam o sistema e impedem o surgimento de novas
lideranças.
Existe um divórcio entre a sociedade e
a representação política?
Com certeza, a sociedade não se reconhece nesse sistema político que
está aí. A sociedade não se reconhece nos partidos, nos governantes, no
Congresso e, portanto, essa crise de legitimidade é uma crise de longo prazo,
cuja solução é difícil. Difícil, também, pois não vemos o surgimento de um
político virtuoso que saiba conduzir o povo em outra direção, que saiba dar um
rumo para a situação política brasileira degradada pela crise moral.
Com o Congresso discutindo retrocessos
como o projeto de terceirização, entre outros, o Brasil deixa de fazer as
reformas necessárias, como por exemplo a regulação da mídia e a reforma
tributária. Essas reformas estruturais estão descartadas para os próximos anos?
Acho que sim. Esse Congresso é conservador e ele não se dispõe. Nem
quando tinha o peso da liderança de Lula se fizeram reformas profundas, com um
Congresso até mais progressista do que o que está aí. Faltou iniciativa
política. Nesse sentido, vejo que o PT tem bastante culpa no cartório, pois não
fez a batalha pelas reformas que são estruturantes para a redução da desigualdade
no país.
Isso mostra que não é possível governar
para todos?
Você tem de governar para todos, mas guiado pelo princípio da Justiça. O
governante é do país, da nação, mas ele tem de guiar suas ações pelo princípio
da Justiça. O erro que o governo Dilma cometeu foi a tentativa de criar um
governo de um projeto, de uma parte. Não se diz isso, o governante é de toda a
nação. No entanto, o que tem de guiar é o princípio da Justiça.
Então, há uma confusão completa do que significa governar, ou governar
com justiça e assim por diante. Do meu ponto de vista, a condução que o governo
vem tendo do ponto de vista político é medíocre, tanto que o país está
mergulhado em uma situação ruim.
O sr. vê semelhanças no que se passa
hoje e na crise política enfrentada por Getúlio Vargas, que o levou ao
suicídio?
Nenhuma. As circunstâncias são completamente diferentes. A crise que
está aí foi criada por fatores diferentes, e nesse sentido não dá para fazer
uma comparação. Naquela época tinha guerra fria, hoje não tem, existiam
determinados fatores conjunturais do país diferentes do que há agora. A
esquerda ainda tinha moral, e hoje ela esta enfrentando uma profunda crise.
Está na defensiva, então vivemos uma situação diferente.
Você tem alguma proposta para recuperar
a legitimidade do sistema político?
Em primeiro lugar, teríamos de ter partidos verdadeiros, vinculados aos
interesses sociais. Não temos esses partidos. A reestruturação partidária e
política não é a saída. Então estamos quase em um beco sem saída, pois a crise
é a longo prazo e não vejo capacidade nos partidos e líderes que aí estão para
fazer uma mudança dessa envergadura.
Mas enquanto a crise política é
artificial, a econômica é real?
É real, pois pessoas estão perdendo empregos, a inflação está alta,
empresas estão fechando, se endividando. O consumo cai. Esta é uma crise real,
mas ela vem sendo potencializada pela crise política.
Do ponto de vista da economia, o ajuste
fiscal poderia ter sido evitado?
Não, ele é necessário. É preciso entender isso, e parte da esquerda não
o faz. É preciso, pois a dívida pública está aumentando muito. Se o país não
contornar esse crescimento, vamos entrar em uma situação de descontrole e a
situação vai ficar pior. Culpar Levy por essa situação me parece um absurdo. O
que tem de se discutir no ajuste é quem paga o ajuste fiscal. No entanto, houve
uma degradação fiscal do país no mandato de Dilma.
Os empresários que tiveram grandes
desonerações?
Sim, mas foram dadas pelo governo. O governo errou no trato da energia,
errou nas desonerações, errou na concessão de bilhões em empréstimos através do
BNDES e quem está pagando essa conta é o povo. Isso não foi feito pelo Levy.
Como o sr. vê a campanha da Fiesp
contra impostos e contra a CPMF?
O fato é que em parte, os empresários foram beneficiados, e agora a
sociedade sempre é contra o aumento de impostos. Os trabalhadores também são.
Só que o peso maior desse ajuste está sendo pago pelos trabalhadores, agora
esse não é um problema do Levy.
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Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/
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