Ainda a propósito do Dia das Crianças celebrado hoje no Brasil (em outros países tem datas diferentes), reproduzo aí abaixo partes do poema 'A criança que fui chora na estrada', de Fernando Pessoa. Claro, o que está em causa aqui é a criança que se foi perdendo do adulto enquanto ele crescia. É preciso acordar antes que o sono chegue por completo.
Por Fernando Pessoa
A
criança que fui chora na estrada.
Deixei-a
ali quando vim ser quem sou;
Mas
hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero
ir buscar quem fui onde ficou.
Ah,
como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A
vinda tem a regressão errada.
Já
não sei de onde vim nem onde estou.
De
o não saber, minha alma está parada.
Se
ao menos atingir neste lugar
Um
alto monte, de onde possa enfim
O
que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na
ausência, ao menos, saberei de mim,
E,
ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em
mim um pouco de quando era assim.
Dia a dia mudamos para
quem
Amanhã
não veremos. Hora a hora
Nosso
diverso e sucessivo alguém
Desce
uma vasta escadaria agora.
E
uma multidão que desce, sem
Que
um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah,
que horrorosa semelhança têm!
São
um múltiplo mesmo que se ignora.
Olho-os.
Nenhum sou eu, a todos sendo.
E
a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu perceba de onde vai crescendo.
Sinto-os
a todos dentro em mim mover-me,
E,
inúmero, prolixo, vou descendo
Até
passar por todos e perder-me.
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