sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Estação Moscou: as 'dores do mundo' e o barco do sentimento

Praça Vermelha, em Moscou;
ao fundo, o Kremlin


"O incidente está encerrado. O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores, os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes". Temos aí as últimas palavras do bilhete de despedida do poeta russo Vlamidir Maiakóvski, escritas pouco antes da de sua partida. É lembrando de Maiakóvski que observamos as 'dores do mundo' atual. O barco, cheio de vida e de sentimento, que está impedido de se mover pelo que sente, porque o cotidiano não permite, as suas "regras" bloqueiam.  As 'dores do mundo' simbolizadas pelo sofrimento dos imigrantes tentando entrar na Europa, enfrentando rejeição e violência. Pois bem, nessa conjuntura, lembrei de Maiakóvski ao ver um vídeo-entrevista do Presidente da sua pátria, Vladimir Putin, em diálogo com jornalistas dos Estados Unidos - e que foi censurado nesse país -, onde ele aponta diretamente a responsabilidade estadunidense na catástrofe humanitária em países como Síria, Iraque e Líbia, bem como a sua cumplicidade no surgimento do Estado Islâmico, cujas aberrações têm chocado o mundo. Aí abaixo, o vídeo. Em seguida, um texto com uma tradução livre em português, vertida das legendas em inglês (traduzidas do russo). Estação Moscou, ontem e hoje. As 'dores do mundo' e o barco do sentimento em busca de porto. 



"Primeiro ponto. Eu nunca disse que os EUA representam uma ameaça para a nossa segurança nacional. O Presidente Obama, como vocês disseram, vê a Rússia como uma ameaça, mas eu não sinto o mesmo com relação aos EUA. O que eu sinto é que aqueles no círculo de poder, se é que podemos usar esses termos, a política daqueles no poder nos EUA é errônea. Ela não só contradiz nossos interesses nacionais [da Rússia], mas também mina qualquer confiança que tivemos nos EUA, e dessa forma também prejudica de fato os EUA, minando a confiança, visto que são um dos líderes globais na política e nas questões de economia. Posso silenciar sobre muitas coisas, mas, como sempre digo, e como Dominic aqui presente acabou de mencionar, ações unilaterais na contínua busca da próxima "aliança" e coalizões que são predeterminadas: este não é o método que levaria a discutir e concordar em bases mútuas de entendimento. São ações unilaterais. São executadas todo o tempo. Elas levam a crises.
Como disse antes, uma outra ameaça que o presidente Obama mencionou foi o ISIS (Estado Islâmico). Vejamos: quem neste mundo os armou? Quem armou os sírios que estavam lutando contra Assad? Quem criou o necessário clima político e informativo que facilitou essa situação? Quem impulsionou a entrega de armas na área?

Vocês realmente não entendem quem está lutando na Síria? São mercenários em sua maioria. Vocês compreendem que eles são pagos em dinheiro? Mercenários lutam por qualquer lado que lhes pague mais. Assim, eles os armas e pagam a eles uma certa quantia. Assim, eles lutam, eles recebem as armas e, depois, é claro, não se pode fazer com que eles no final devolvam as armas. Então, eles descobrem em outro lugar alguém que lhes paga um pouco mais, e vão lutar lá.

Ocupam aí os campos petrolíferos, seja no Iraque, na Síria. Começam a extrair o petróleo, e esse petróleo é comprado por alguém.

Onde estão as sanções sobre as partes que estão comprando esse petróleo? Vocês acreditam que os EUA não sabem quem está comprando esse petróleo? Não são os seus aliados que estão comprando petróleo do ISIS (Estado Islâmico)? Vocês acreditam que os EUA não têm poder de influenciá-los ou eles não são influenciáveis?

Então, para que bombardear o ISIS (Estado Islâmico)? Nas áreas onde eles começaram a extrair petróleo e pagar mais aos mercenários, nessas áreas, os rebeldes das forças sírias de oposição ditas "civilizadas" imediatamente se juntaram ao Estado Islâmico, porque lhes pagavam mais. Considero isto uma política absolutamente anti-profissional. Não é baseada em fatos, no mundo real. 

'Devemos apoiar a oposição civilizada democrática na Síria': assim, vocês os apoiam, armam, e, no dia seguinte, eles se juntam ao Estado Islâmico.

Eles não podem pensar um passo adiante?

Nós não apoiamos esse tipo de política dos EUA. Consideramos errada. Ela é nociva a todas as partes, inclusive aos EUA.
Do ponto de vista de nossos interesses nacionais, gostaria de que pessoas como vocês, jornalistas americanos que levantaram essas questões, um dia liderassem seu governo. Talvez assim pudessem de algum modo reverter a situação. Se isto não acontecer, gostaria de lhes pedir que levassem essa mensagem ao seu governo: ao presidente dos EUA, vice-presidente e todas as pessoas destacadas. Dizer-lhes que não buscamos nenhum tipo de confronto. Quando vocês começarem a levar em conta nossos interesses nacionais em suas ações, qualquer outro desacordo que tenhamos, se autorregulará. Isto precisa ser feito, e não somente falado.
Vocês devem levar em conta os interesses de outros, e vocês devem respeitar os outros povos. Vocês não podem simplesmente "espremer" os outros, visando apenas os benefícios que vocês querem na economia, nas suas ações militares, em tudo.
Vejam o Iraque: a situação é terrível. Vejam o caso da Líbia e o que vocês fizeram lá, isto levou ao assassinato do vosso embaixador.
Fomos nós que fizemos isto? Vocês até obtiveram uma decisão do conselho de segurança para criar uma zona de proibição de voo. Para quê? Para que a força aérea de Kadafi não pudessem sobrevoar e bombardear os rebeldes. 
Não foi a decisão mais inteligente. Mas o que vocês continuaram fazendo? Vocês começaram a bombardear o território. Isto é uma clara violação da resolução do Conselho de Segurança da ONU, é uma clara agressão a outro Estado.
Fomos nós que fizemos isto? Vocês fizeram isto com as suas próprias mãos, o que levou ao assassinato do vosso embaixador. 
De quem é a culpa? A culpa é de vocês. Foi um bom resultado o embaixador ser assassinado? Na verdade, é uma catástrofe. Mas não busquem ao redor alguém para acusar quando são vocês que estão cometendo esses erros. 
Vocês devem fazer o contrário. Elevar-se acima do infindável desejo de dominar, devem parar de fomentar suas ambições imperialistas.
Não envenenem a consciência de milhões de pessoas, como se não houvesse outro caminho a não ser a política imperialista. 
Jamais esqueceremos nossas relações quando apoiamos os EUA na sua Guerra de Independência. Não esquecemos que colaboramos com vocês, como aliados, nas duas Guerras Mundiais". 



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