Por Potiguar Matos
Te
digo, você é meu chão. Sinto-me firme, os pés seguros, não há medo de areias
gulosas, você é terra profunda, sombra de árvore, água de rio, onda que vai e
vem, mar de verão, o sol na lâmina azul desenhando peixes de ouro.
Sou
bandeirante perdido em geografias exóticas. Na mão, rosa dos ventos, caminho no
rastro dos pássaros e me perco no festival dos verdes que amanhecem no cansaço
dos olhos e vazio das mãos. Há um rumor de cascata sobre o sol adusto e mil
rosas renascem em teus dedos múltiplos, terra de Canaã imaginada no fundo de
todos os desertos, onde morri de sede, dividido entre a procura e a dúvida, a
fé dos santos e a danação dos perdidos.
Te
digo, você tem algo de mineral, chispas metálicas, talvez filão precioso, um
veio milionário, ah! ilusão do velho minerador, as unhas cravadas no solo, o
suor no rosto, a última esperança dentro do coração. Penso, de repente, você é
chão de cristal, som de cristal na amplidão do desespero, cristal que é sino de
infância tocando em sonhos defuntos, pequeno sino – donde arrancas tanta dor
com teu canto sozinho?
Que
a terra não perdoa. Nós somos ela, nossos braços já foram troncos de árvore, as
mãos marítimas vêm de fundos mares, há barro molhado em nossos olhos escorrendo
sua água salgada. Te digo, você é terra e nessa terra me dissolvo, nas suas
mais finas camadas prendo minha angústia, nos seus abismos azuis sinto a
volúpia dos suicídios lentos.
Imagino
o desastre dos marinheiros perdidos. Um dia saíram pelo mar nunca dantes
navegado buscando o continente mágico com a quilha das naves pressurosas. Que
lhes aconteceu, a essas naves leves e belas, cortando a espuma das ondas, asas
brancas abertas ao sol, em cada milímetro um sonho e em cada sonho uma lágrima?
Os monstros do mar as devoraram. As belas naves, delgadas e bailarinas,
morreram em abismos de algas, incrustadas de corais funéreos. Nunca chegaram
aos continentes translúcidos, ao instante único e supremo em que o mar se faz
solidez, a água, a terra e o sonho a paixão da posse.
Você
é meu chão. Nele ancorei, viajante de roteiros estranhos, marinheiro sem
bússola, nele ancorei. Planto meus marcos e ergo meus altares, as florestas são
minhas, meus os frutos maduros, as plantas frescas, o cheiro da chuva, a luz do
sol depositada em grossas camadas nos poços profundos, tão profundos como teus
olhos.
Te
digo que o chão é berço e cova, nele a vida se faz vôo e nele o cansaço se faz
sono. O marinheiro liberta a rosa dos ventos, o bandeirante apaga os rastros na
floresta. O chão da vida será, também, o chão da morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário